quarta-feira, 9 de janeiro de 2019


Kant, o imperativo categórico e a promoção do filho Mourão.

Desde anteontem há discussões acaloradas sobre a promoção do filho do General Mourão. E recebi alguns pedidos para dar a minha opinião. Certo ou errado?
Esse debate é interessante porque ele revela muito do entendimento sobre ética e moral dos brasileiros. Ou a falta dele.
Revela que como nação e cidadãos temos muito que evoluir.
Immanuel Kant (https://pt.wikipedia.org/wiki/Imperativo_categ%C3%B3rico) um dos filósofos mais influentes sobre a questão da ética e da moral, afirma que imperativo categórico é o dever de toda pessoa agir conforme princípios os quais considera que seriam benéficos caso fossem seguidos por todos os seres humanos. Se todos aqueles que chegarem ao poder se beneficiarem desse fato para além do previsto em seu contrato de trabalho, beneficiando filhos, amigos, etc. voltamos a situação de aparelhamento anterior. E nesse caso, não pode haver tolerância – o Brasil é um paciente na UTI e precisamos de honestidade, clareza e transparência.
Não se sabe e não se pode provar que o recém-empossado vice-presidente tenha se mexido para facilitar ou viabilizar essa promoção. Mas faz parte do imperativo categórico saber avaliar se o presidente do BB ao promover o rapaz fez um movimento para se aproximar do governo e ganhar poder e influencia. Isso seria, mesmo que de forma velada, um ato de corrupção. Temos um problema: se o vice-presidente pediu é patrimonialismo. Se não pediu e não entendeu a motivação do presidente do banco pode ter cruzado, mesmo que involuntariamente, uma fronteira perigosa. O sujeito moral, nesse caso, deve entender que no núcleo da ética está a capacidade de renúncia. Se o individuo não coloca um freio no oportunismo alheio, abre brechas para a degradação do sistema. A ética na politica pressupõe que o individuo seja capaz de colocar o interesse publico acima do privado. Dizer não à promoção é o que se espera em termos éticos e morais.
Desde tempos imemoriais temos três problemas gravíssimos na nossa cultura e na nossa relação com a coisa publica e a politica: o personalismo, o patrimonialismo e o corporativismo. Esses fenômenos da nossa cultura politica permitem a seleção de pessoas por critério de parentesco ou confiança, independente do fato de serem ou não as mais competentes para o cargo; a confusão entre bem publico e bem privado, que fez com que ao longo da nossa historia a apropriação indevida do interesse publico pelo interesse privado fosse comum na nossa sociedade e o corporativismo, que defende o interesse “dos nossos” em detrimento de qualquer visão de bem comum ou interesse público.
A correção desses males só pode se dar por meio da boa governança, que são mecanismos de vigilância, monitoramento e controle que impedem o comportamento oportunista ou reduzem a possibilidade de sucesso daqueles que o empregam, aumentando o risco caso sejam pegos. Mas os mecanismos de governança por si só não dão conta do problema. É necessária a orientação por valores e comportamento ético e moral dos indivíduos. Um dos maiores problemas que a governança busca corrigir é a dos comportamentos oportunistas. Oliver Williamson, vencedor do premio Nobel de economia, define comportamento oportunista como a busca pelo auto-interesse com astucia e gula. O que esse conceito abarca é exatamente o que estamos vendo agora: Os políticos eleitos recebem um mandato dos eleitores para representa-los. Nesse caso especifico, quem venceu a eleição o fez para reduzir o aparelhamento do Estado e seu uso para projetos de poder que não foram aprovados nas urnas, mas infiltrados nas instituições sem aprovação ou consentimento da maioria e financiado por esquemas de corrupção.
Logo, o mandato era para acabar com males derivados do oportunismo, que chegou a ultrapassar o limite do crime organizado.
Teoricamente, o que o eleitor buscou na urna foi honestidade e competência. Isso corrigiria os males históricos e reorientaria a gestão publica pelos conceitos mais modernos de transparência e meritocracia.
Todos os nossos estudos sobre o “custo Brasil” e sobre a baixa competitividade e baixa produtividade da nossa economia vem confirmando que a baixa confiança é o principal fator que explica nossa posição ruim em todos os ranking globais. Confiança é o principal ativo intangível das economias e um fator critico de sucesso para a gestão publica e privada. De acordo com os estudos do World Values Survey o Brasil é um dos países do mundo onde há a menor propensão a confiar. O Marco Tulio Zanini, meu marido, publicou um livro chamado “Confiança” em que esse tema é estudado a fundo.  Um orientando meu defendeu recentemente uma tese em que prova que a baixa confiança é o que explica nossa baixa competitividade. A baixa propensão a confiar afeta negativamente a cooperação econômica, impede o aprimoramento das instituições, aumenta os custos de transação entre agentes econômicos e impede a gestão do conhecimento e da inovação.
O que afeta negativamente a confiança? Os comportamentos oportunistas e as incertezas. E essas duas coisas estão correlacionadas.
Precisamos aumentar a confiança e para isso é necessário aumentar a confiabilidade. Esse fato, da promoção, afeta negativamente a ambas.  O novo governo, idealmente, para reduzir o custo Brasil precisa também aumentar a confiabilidade reduzindo comportamentos oportunistas e incertezas. O fato da promoção atua na direção oposta.
Isso estaria claro nas democracias mais maduras. Na nossa não está. Mas o curioso não é apenas esse fato, tão comum no Brasil de imbricação do interesse publico e privado. O curioso é que o cidadão que elegeu essa chapa, e que tanto criticou o PT por oportunismo e aparelhamento, agora defende o Mourão. Ora, Mourão pode e talvez seja, fruto da nossa cultura politica. Talvez tenha achado que não estava fazendo nada demais afinal isso sempre foi legitimo no Brasil. Sim. Mas agora não é mais. Ainda bem.
Isso nos faz lembrar Getúlio Vargas, escancarando os problemas da nossa republica: para os amigos tudo, para os inimigos, e, claro, para o cidadão comum fora das relações com os políticos, a lei! Esse é a base da nossa republica dos desiguais. Desiguais perante a lei e desiguais em relação às benesses do poder publico.
A democracia madura, no entanto, é a do império das leis: as leis são iguais para todos e todos estão a ela submetidos. A evolução institucional e politica do Brasil precisa ir nessa direção.
Não podemos ser tolerantes com ambiguidades éticas e morais ou suspeitas de comportamentos oportunistas. E para os Cristãos que defendem isso sugiro a leitura do primeiro volume da “Cidade de Deus” de Santo Agostinho, especialmente o capitulo sobre por que a omissão é pecado. Ele afirma que quando o tal “cidadão de bem” é conivente com o erro, por auto-interesse, por comodismo, por lealdade pessoal, por necessidade de afiliação, etc. o mal cresce. Logo, o mal só cresce por omissão e conivência dos bons.
Temos dois dilemas difíceis no Brasil: 1) O cidadão comum aceita se vincular às lideranças politicas não como um cidadão livre, mas por lealdade cega aos poderosos. E isso está por trás da nossa vocação para sistemas autoritários. Na direita e na esquerda. Por isso o nosso sistema politico gera a visão de inimigos e o conflito enorme que temos hoje. A maioria parece mais interessado em tirar o oponente do poder para colocar a sua tribo do que aprimorar as instituições para que funcionem para todos os brasileiros. 2) E o cidadão aceita falhas morais. Desde que seja daqueles que estão do seu lado. O amadurecimento democrático pressupõe que cada cidadão trabalhe a sua autonomia, que significa, literalmente, auto + nomos = a capacidade de dar a si mesmo a lei e a regra, de se auto gerenciar e de participar civicamente como igual aos políticos, entendendo que esses precisam se comportar dando satisfação à sociedade dos seus atos e cobrando isso de todos independente de filiação partidária. Países com polaridade politica como o nosso tem dificuldade de focar no que interessa: no aprimoramento das instituições e da cidadania ativa e ética. Logo: o que é certo é certo. O que é errado é errado. E 50 tons de cinza é filme pornográfico.
E toda essa discussão nos mostra, tristemente, que o imperativo categórico de Kant e as ações éticas e morais decorrentes não são compreendidas aqui nos trópicos.... vai ver eu esse calorão está afrouxando nossos valores e princípios.... que como legumes no caldeirão estão se dissolvendo e misturando coisas que não poderiam ser misturadas.

Em sintese: não podemos revogar o imperativo categorico. Sob pena de sermos, para sempre, uma republiqueta das bananas. Nem nesse caso e nem em nenhum outro. 


2 comentários:

  1. Prezada, embora respeite,e muito, sua opinião, gostaria de contrapor da seguinte forma:

    O provérbio não se aplica

    O fato de um funcionário de carreira de uma instituição pública ser promovido a um cargo superior tendo um ascendente direto ocupando um cargo público eletivo não caracteriza sob hipótese alguma nepotismo.

    Levando em consideração que tal funcionário preenche todos os pré-requisitos exigidos para o exercício das funções as quais foi alçado, seria absurdo qualificar como injusta tal nomeação.

    No caso específico, o filho do vice-presidente é funcionário concursado, ocupa assessoria na diretoria que por tradição do Banco do Brasil costuma indicar uma das três nomeações de assessoramento para a presidência da instituição e notoriamente tem qualificação técnica que justifique tal nomeação.

    O melhor dos mundos para um administrador é ter ao lado assessores com os quais tenha o máximo de confiança e admiração. O filho do general é um funcionário respeitado no Banco, tanto que embora diversas vezes preterido por não fazer parte da quadrilha que assaltou o país, continuou ocupando função de assessoramento comissionado. Não por favor e sim por extrema competência.

    Portanto, no caso específico, não se aplica a frase “a mulher de César deve estar acima de qualquer suspeita” que César usou para justificar o divórcio com Pompéia Sula, tampouco o provérbio popular oriundo da frase de César que diz que "à mulher de César não basta ser honesta, deve parecer honesta".

    Seria condenar um empregado concursado de um banco público ao "congelamento profissional" pelo simples fato de ser filho de um político que alçou o cargo pela vontade popular.

    Cabe agora ao filho do general provar que César não estava tão certo e mostrar que não precisa parecer honesto e competente, basta SER honesto e competente, pois o "parecer" muitas vezes ilude.

    Saudações democráticas

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  2. Prezado, trabalhei 13 anos no BB, justamente na área de agronegócio. Provavelmente vc não conhece a cultura do Banco, mas os cargos comissionados do BB,.Com exceção do Presidente e Vices (são os diretores) são ocupados através de processos seletivos, onde todos os empregados que preenchem os requisitos para concorrer, podem, desde que queiram, num processo democrático e transparente, pois todos os empregados podem visualizar as vagas existentes, a pontuação de todos os inscritos e quem foi classificado para a seleção. Ser filho de vice-presidente não pontua. Ao fazer isso, o presidente do BB (o primeiro desde 2003 que nunca havia trabalhado no BB antes) fere de morte uma cultura existente no BB há muito tempo, aí sim, a cultura da Meritocracia, tão fácil de ser pronunciada, mas tão difícil de ser cumprida.

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