Dá para
resolver o problema da favelização no Rio de Janeiro? É claro que dá!
A
favelização e o crescimento urbano desordenado é um grave problema na região
metropolitana do Rio. Os municípios do Rio de Janeiro, Niterói e os nove
municípios da Baixada Fluminense são especialmente afetados.
Para
resolver um problema é importante compreender as causas. As habitações
precárias, afastadas do núcleo urbano ordenado, remontam ao fim da escravatura
no Brasil e a precarização da posição especialmente dos negros na sociedade
brasileira. Mas a maioria das favelas de hoje são fruto da migração de
mão-de-obra nordestina durante a fase de industrialização da Região Sudeste já
nos governos militares e falta de alternativas nos campos secos do nordeste
nessa época. Olhando por esse prisma, as
favelas não são o problema, mas a solução que os mais pobres da nossa sociedade
encontraram para viver dada a exclusão econômica, no caso dos negros, e para a
pobreza, no caso dos operários nordestinos vindos para o Rio.
Mas o que
mais incomoda ao carioca de classe média e alta não é a favela propriamente
dita. Mas a imbricação entre desorganização do território geográfico e o crime,
que esse território acolhe. A solução para esse tipo de problema aparece sempre
como a necessidade de investir mais em segurança pública.
Ao ponto da
secretaria de segurança pública do Rio de Janeiro ter a folha de pagamento de
pessoal maior do que a de saúde e educação.
E se
pensássemos diferente? E se ao invés de corrigir o crime que a desorganização
urbana esconde e protege, nós pensássemos em corrigir a organização urbana? Mas
muitos dirão: os pobres não aceitam projetos de remanejamento de favelas e o
“minha casa minha vida” levou o crime junto para essas áreas.
Ah, claro!
Corrigir a desordem urbana é sempre pensado como mais um fardo para os
pobres..... e mais investimento via Estado..... Nossa mente está tão cravada
nessa maneira de pensar que parecemos incapazes de olhar o problema de forma
mais ampla.
Temos
vários problemas no Rio: o alastramento da mancha urbana – ou seja – as cidades
crescem cada vez mais horizontalmente – o que destrói matas nativas pela
expansão urbana; O custo do saneamento é cada vez mais impagável, dada a
extensão territorial da mancha urbana; as áreas mais longe ficam mais baratas,
e concentram mais os pobres, que sofrem nos transportes de massa ruins e em
engarrafamentos cada vez maiores; e o crime caminha junto com a pobreza
concentrada em territórios específicos.
Qual seria
a solução? Adensar. Concentrar. Misturar. Fazer como Tóquio, Chicago e Nova
Iorque. Planejar o andensamento para que
a iniciativa privada resolva o problema com prédios cada vez mais altos. E
misturar! Sim. Misturar as pessoas nesses locais adensados. Vamos olhar para as
coisas boas agora:
1) Se olharmos para a situação econômica das
favelas do Rio, vamos nos surpreender muito: a pobreza mais extrema foi muito,
mas muito reduzida no nosso Estado. A favela com menor índice de
desenvolvimento humano é o Complexo do Alemão. E em níveis globais (comparada
com a África subsaariana, o sudeste asiático e partes da China e Índia) a renda
media dessa comunidade é considerado médio para alto. Um aluguel no Cantagalo,
no Pavão-Pavãozinho, no Vidigal e em outras comunidades bem situadas
geograficamente é maior do que um aluguel no subúrbio. Ou seja, nossos pobres
tem capacidade de pagamento.
2) A taxa
de fecundidade está caindo muito. A maior parte das famílias mais pobres não
tem filhos, ou tem um ou dois filhos.
3) A maior
parte das pessoas que mora nas comunidades trabalham. Mas há uma taxa muito
alta de abandono masculino dos lares e uma grande vulnerabilidade das mulheres
com filhos pequenos. Isso retroalimenta a pobreza e o crime. As mães sozinhas
tem dificuldade de controlar os meninos com mais de 12/13 anos e eles abandonam
a escola e tem mais chances de se envolver com o crime. Logo, se houver mais
suporte para essas mães, elas poderiam manter melhor seus filhos na escola,
haveria menor evasão escolar e menor migração para o crime. Em uma geração resolveríamos
muito da perda de jovens para o crime.
E se nós pensássemos em resolver isso com menos Estado?
A cidade de Tóquio, até a década de
1980, ainda era coberta de casas de madeira em um grande emaranhado de ruas
estreitas e curvas..... como no caso do Rio, a cidade crescia horizontalmente e
a vida de quem morava mais longe do trabalho era um horror..... Em 30 anos a
cidade é moderna, vertical, densa e integrada. As pessoas moram mais perto, os
serviços são melhores, os negócios são mais lucrativos e a prosperidade é
maior. O tempo economizado no transporte vira tempo para lazer, estudo e
trabalho. É mais fácil resolver problemas de transporte (há 5 andares de linhas
de metrô em alguns pontos), o translado de bicicleta é possível em vários
pontos, e a vida ficou mais fácil.
O que os
Japoneses fizeram? Liberaram o gabarito para construção em algumas áreas da
cidade, planejaram o subsolo dessas áreas, de modo que toda a construção
precisava respeitar esses planos, liberaram a redução dos tamanhos dos
apartamentos (tem apartamentos de 9m2, que hoje no Brasil só podem ser construídos
na informalidade e nas favelas), facilitaram os financiamos e permitiram que as
construtoras negociassem com os donos das casas espaços nos prédios melhores do
que nas casas. Criaram regras para
evitar que oportunistas e aproveitadores dificultassem esse movimento. Então se
2/3 dos moradores de um quarteirão ou área quisessem o aceitar a proposta de
uma construtora privada para fazer uma torre no local e 1/3 resistisse ou
negasse para extorquir mais do que os outros inviabilizando a transação, esse
1/3 poderia ser obrigado a vender pelo valor venal do imóvel declarado no
imposto. Era ruim. Mas seria pior para todos ter uma cidade mal trabalhada e
com custos maiores para todos de saneamento e transporte. Sim... tiveram
dramas... tinham aqueles com complexo de Pepa Pig que choravam lembrando que
quando crianças pulavam nas poças das ruas mal calçadas..... que eram contra a
“cidade de concreto” etc.... mas o fato era: com o crescimento da população era
impossível de conciliar a memoria do passado com conforto, bem-estar e saúde para
a maioria. Era importante resolver a nova urbanização.
Hoje a
reciclagem de lixo, o tratamento de esgoto, a otimização do uso de energia
estão integrados com prédios inteligentes e transportes urbanos que funcionam
muito melhor.
Qual foi o papel do Estado?
1) Atuar no
planejamento;
2)
Organizar os estudos e debates,
3) Liberar
as construções
4) Criar as
regras para a negociação das construtoras com os donos das casas e terrenos
para dar segurança jurídica à essas trocas e evitar os custos de judicialização
posterior e portanto o aumento dos gastos públicos com batalhas jurídicas criadas
por regras e leis mal pensadas.
É possível fazer isso no Rio? É claro! Vamos
olhar para isso:
Não só é
possível, como é urgente e necessário.
Hoje cerca
de 48% do custo da construção civil é imposto. E se nós fizéssemos um esforço
para reduzir drasticamente o imposto cobrado em imóveis de ate 100m2 por CPF?
Ex. cada cidadão maior de idade e que não tivesse um imóvel no seu CPF poderia
comprar um com baixíssimo imposto? Isso não seria isenção fiscal. O prédio não
existe. O recurso não existe. Então o governo estaria abrindo mão de parte do
imposto a ser recolhido nessas construções a titulo de politica pública de
habitação. Muito do problema das favelas é a falta de moradia a um preço que
caiba no bolso dessas pessoas. Com esse tipo de projeto resolve-se o problema
no local em que o projeto seria desenvolvido e gera-se oportunidade de compra
para quem não consegue comprar hoje. A demanda por moradia mais barata no nosso
Estado é gigantesca. Ao invés de gastar dinheiro e estar sujeito a todos os
males de projetos como o “minha casa minha vida” o Estado simplesmente libera e
coordena esse movimento.
Com a
redução ou eliminação de impostos nesses casos, um imóvel de 100 m2 que custa
hoje em torno de 100 mil reais passaria a custar 50 mil. Se abríssemos linhas
de credito nas cooperativas de credito como a SICREDI e outras que são muito
competitivas, ou abríssemos espaços para bancos e Fintechs para concorrer com a
Caixa, muitos dos fluminenses de menor renda conseguiriam comprar uma imóvel
desses com um custo mensal menor do que o aluguel na favela. A Caixa cobra algo
em torno de 20% do valor do imóvel como entrada.
Quem paga
aluguel e ganha pouco nunca consegue juntar esse valor. Se reduzíssemos o preço
do imóvel e eliminássemos essa entrada, muitos poderiam comprar. O imóvel é a
garantia do empréstimo e as construtoras poderiam conversar com as instituições
financeiras para facilitar a vida dos compradores e aumentar a demanda. O
adensamento populacional viabilizaria uma serie de outros negócios, como comércios
e serviços. As empresas de construção poderiam pagar impostos sobre a
construção de unidades maiores, unidades empresariais e comerciais nesses
mesmos espaços. Então as cidades e o
Estado ganhariam impostos que não existem. Todos estariam melhor.
Vamos
imaginar que a gente escolha todo o entorno da Baia de Guanabara para permitir
a liberação de gabaritos para 70, 80 ou 100 andares:
1) O
entorno da baia tem construções baixas e precárias. Seria bom para essas
pessoas morar em prédios e condôminos melhores.
2) O
andensamento no entorno da Baia permitiria uma reforma completa no sistema de
saneamento e a limpeza das águas.
Poderíamos ficar como Chicago: Água limpa correndo no meio de uma cidade
linda, com prédios altíssimos, afastados uns dos outros por áreas de
convivência, construídos sobre shoppings e supermercados, que facilitam a vida
de todos.
3) Teríamos
a possibilidade de pensar melhor o transporte hidroviário, facilitando a
locomoção das pessoas pela água, com modais de transporte diversificados e que
facilitariam a vida das pessoas.
4) Nesses
prédios e condomínios precisaríamos de muita mão-de-obra. Como a questão da
precarização da situação das mães é grave, é possível prever espaços de creches
e escolas onde as mães possam deixar suas crianças em segurança enquanto
trabalham nesses próprios espaços. E
aqui podem ter múltiplas atividades para as crianças mesmo pagas com recursos
públicos, como vouchers e outros. Algumas mães poderiam estar empregadas no
cuidado das crianças nesses espaços. Aumentando a inclusão econômica das mães
com filhos pequenos e reduzindo o problema da reprodução da pobreza nessas
famílias. Essas mães morariam nesses
prédios. Pois teriam trocado as suas casas por unidades nas torres, como no
Japão.
Mas aqui
entra um problema muito nosso: o preconceito. A maior parte das pessoas apoia
essa ideia até misturar a todos nesse tipo de projeto. A organização
territorial e urbana impediria o controle do território por criminosos e
acabaria com esse terrível problema em partes do território. Mas
misturar......... mas aqui ainda temos
uma solução: quem não quiser, que more longe!
Corrigindo
a oferta de moradia mais próximo do centro do Rio e Zona Sul do Rio, região que
ainda concentra mais de 45% do emprego, muitas pessoas que moram mais longe
podem facilmente vir mais para perto. O esvaziamento das favelas que esse
movimento geraria facilitaria muito a solução dos problemas e permitiria um
olhar mais cuidadoso sobre as pessoas que ficaram nesse território: talvez as
mais pobres e mais vulneráveis. Mas os recursos advindos de projetos como o do
adensamento poderiam ser usados para ver o que fazer com essas pessoas, talvez
urbanizando esse território com recursos públicos, pois talvez não seja
lucrativo para as empresas privadas. Pode-se fotografar essas áreas por satélites.
Proibir novas construções. Demolir as que forem erguidas após essa regra. E
organizar esses locais com menos gente e consequentemente menos problemas.
Ao adensar
no entorno da Baia ainda pode-se pensar em estudar concessões para transporte
fluvial nos rios Iguaçu e Pilar, que no passado foram navegáveis e outras
concessões para facilitar que os moradores de Nova Iguaçu e Duque de Caxias
cheguem facilmente na Baia de Guanabara. Pode-se licitar e abrir concessões para
portos e sistemas de barcos. Imagina que
beleza seria recuperar o Porto de Iguaçu velho, escavando aquele belíssimo
sitio arqueológico como atração turística, colocando bares e restaurantes no
entorno de um Porto onde as pessoas podem entrar em embarcações que as levem
direto até a Praça Quinze.....
Por onde começar?
Por onde
o governo pode dar os primeiros passos nessa direção?
Em primeiro lugar, reconhecendo a complexidade
de um movimento como esse e estudando antes de partir para ação.
Uma
sugestão seria pegar um dos prédios abandonados no Porto do Rio, restaurar e
transformar no centro de pensamento urbano do Estado..... Ali, engenheiros,
arquitetos, construtoras e universidades poderiam debater sobre como esse
projeto deveria ser pensado e detalhado.
Os
trabalhos de fim de curso, as dissertações de mestrado, as teses de doutorado
de quem quisessem estudar temas relatos poderia estar em exposições permanentes
em posters ou outros recursos. Os pre-projetos e as ideas das empresas que
teriam interesse nisso podem ser apresentados.
Há varias
complexidades envolvidas. Em partes do entorno da Baia temos a região da Ilha
do Governador e o aeroporto internacional. A liberação de gabaritos ali precisa
ser pensada em relação ao aeroporto internacional, ao transito de aeronaves e
ao ruído para a polução. Em Duque de Caxias há a antiga região do aterro sanitário
de Gramacho. Com gases produzidos pelo lixo enterrado e outras questões
técnicas que demandam soluções de criativas de engenharia. Há a favela de Ana
Clara próxima à refinaria e as empresas químicas e petroquímicas. Ali há riscos
para construções próximas a essas empresas e como ali é uma baixada perto do
mar há problemas constantes de alagamentos. Sem inteligência em engenharia e
arquitetura isso não se resolve.
Podemos organizar o espaço por temas:
Saneamento,
transporte, infraestrutura, subsolo, legislação, educação e outros.
E podemos
fazer concursos de arquitetura, devolvendo ao Fluminense a capacidade de sonhar
com uma cidade linda..... faríamos jus à beleza geográfica que recebemos de
graça. Deixaríamos de ser cidades caóticas sobre cenário geográfico deslumbrante
para sermos, de fato, cidades maravilhosas.
Sim!!! Eu
sei que pode ter um monte de gente chata nessa hora dando para trás em tudo!
Sim, eu sei que isso pode gerar uma “democracia opinativa” gigante, com gente
sem compromisso com as soluções atrapalhando o processo e gerando custos de
transação insuportáveis.
Como resolver isso?
Também com
regras claras. Nesse espaço, criamos uma curadoria para selecionar os trabalhos
aplicados, as melhores soluções e as alternativas. Quem quiser criticar e dar
para trás sem propor alternativas claras, economicamente viáveis e aplicáveis
terá que fazer isso em outro lugar.
E temos que
colocar prazos claros: sabendo que o bom é inimigo do ótimo e que procrastinar
não dá, colocamos marcos temporais para dar inicio às liberações e depois
criamos processos de aprimoramento continuo.
E juntos
podemos descobrir como destravar esse movimento. Podemos ter todo o entorno da
Baia como uma área urbana linda, integrada, moderna, com águas limpas,
planejamento do tratamento do lixo, áreas de compostagem para gerar adubo para
os jardins, lugares organizados e onde as cidades partidas não serão mais do
que um triste capítulo na nossa historia.
Gostei bastante do texto. Também acredito que a verticalização planejada da cidade, principalmente no centro e bairros adjacentes, é a melhor forma de democratizá-la, bem como de reduzir os demais problemas. No entanto, apesar das estratégias citadas no final do texto, infelizmente não vislumbro essa saída hoje, nem a médio prazo; o mindset atual quase não permite pautar esse tema no debate público. Acredito que este é o primeiro passo e o texto cumpre papel importante nesse sentido.
ResponderExcluirAbs
Sempre achei muito complicado controlar a violência (teoricamente papel do governo do estado) sendo que a expansão das zonas ocupadas pelo tráfico é de responsabilidade da prefeitura. Se essas zonas não param de expandir e não há nenhum controle por parte dos órgãos públicos não vai haver dinheiro que baste para a segurança. Me interesso em poder contribuir com propostas técnicas para a mitigação desse problema. Como engenheira geotecnica vejo grandes desafios para a construção de grandes edifícios no fundo da baía, mas nossas Universidades estudam há muitos anos os solos dessa região. A pergunta que faço é: como podemos contribuir com propostas e sermos ouvidos pelo poder público? Os últimos investimentos feitos no Rio mostraram que quem toma as decisões sao os políticos e não os técnicos.
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