E sobre o
nosso futuro? Por que o vazio de ideias e planos?
Divergimos.
Divergimos muito. Tanto que parece que não conseguimos concordar sobre nada. E
sem isso, não há como fazer planos, consentir e concordar sobre eles e
colaborar para construir uma sociedade melhor. Nossas grandes divergências vêm
sendo tratadas como uma questão meramente politica. Fenômenos de enorme
complexidade: como a questão da desigualdade social no Brasil, a questão
ambiental, a questão da ordem social, dentre outras de repente parecem se
descolar da realidade humana concreta, do tecido duro da vida, da ciência e da
cultura e adentrar no domínio da politica de forma quase que total. É o
relativismo levado a sua instancia máxima. Tudo parece uma questão de linguagem
ou de opinião. A incerteza aflora e com ela o medo e a sensação de riscos
ocultos. Profetas do apocalipse se aproveitam desse momento para construir a
legitimidade do seu discurso alimentada por esse medo e do desconhecimento. Alguns criam inimigos imaginários e constroem
o seu poder sobre a sua capacidade “mágica e mística” de ler os passos e as
artimanhas do inimigo. Não sou inocente a ponto de ignorar que a ideia de
criação de inimigos é politica. Marx fez isso. Muitos outros hoje, à direita,
também o fazem. Para a maioria de nós é como se todo o sentimento de “verdade”,
de razão colada na nossa “experiência de vida” nos tivesse sido arrancado.
Uns anseiam
por uma volta ao passado. Outros pegam certezas emprestadas de pensadores de
outros países, com outra história. Vários veem que o circo pode pegar fogo e
correm para trazer gasolina.
Victor
Turner, um antropólogo dos bons, estudou os momentos de ruptura na sociedade dos
Ndembu, no Zambia. Ele mostra que há momentos de transição e mudança que geram
uma crise. Quando a ruptura é grande, há um período de intensificação da crise
até que
haja uma ação reparadora que ajude a construir um desfecho (que pode levar à
harmonia ou cisão social). Precisamos encontrar essa ação reparadora. No auge
da crise, a sensação de falta de referencias e de estrutura clara para a ação
pode gerar violência e confusão. Os esforços de reparação são importantes para
evitar desfechos ruins. Precisamos construir vínculos e pontes.
No entanto,
é um tal de filosofo de direita falar do complô de Gramsci e a revolução pela
cultura por um lado, de professor de esquerda falar da elite inimiga do
povo por outra, de gente a favor ou
contra a “escola sem partido”, ao estatuto do desarmamento, e tantas outras
coisas numa polifonia ensurdecedora.
Eu acho que
tudo isso é apenas a superfície de um fenômeno bastante mais profundo: estamos,
no ocidente, chegando ao esgotamento do antropocentrismo cartesiano. Descartes,
ao tentar se desvencilhar do teocentrismo medieval, nos ajuda a olhar para o
ser humano e reconhecer a sua razão e liberdade. Consegue se desvencilhar da ignorância
mística e seu pensamento de certa forma inaugura a domínio da razão moderna.
Passamos o século XX desconstruindo essa razão. Passamos da critica à
modernidade para a pós-modernidade e agora para a falta de referencias e
certezas.
Marshall Berman, filosofo marxista
norte-americano parece anunciar isso em seu livro “Tudo o que é sólido se
desmancha no ar” – em parte reconhecendo o papel de Marx nessas desconstruções,
por outra antecipando a falta de solidez que isso traria.
E agora?
Sim! As
ideias de Marx ajudaram a esgarçar o tecido social e romper qualquer ideia
fundadora de nação, como certa unidade de valores e crenças, dentro dos estados
nacionais atuais. Mas países mais homogêneos e menos desiguais retiveram alguma
sensação de destino comum. Nós, profundamente heterogêneos e desiguais, fomos
jogados no nada. Na falta de referencias. De sentimento de comunidade. De
sentimento de destino comum. Sem sentimento de vínculos o destino pode ser o da
guerra de todos contra todos. Precisamos encontrar o que nos une. Precisamos
construir uma memória de futuro e essa só emerge a partir da síntese entre “quem
nós somos”, “de onde viemos” e da projeção para “para onde vamos”. Não
concordamos sobre quem nós somos. Não achamos que viemos de um mesmo lugar no
passado. Logo não conseguimos pensar em um futuro comum. Direita ou esquerda
não importa tanto. Seriam apenas opções de caminhos para esse futuro. Ou
pensamos no que nos une e naquilo que pode construir um futuro desejado para a
grande maioria dos Brasileiros, ou não conseguiremos arrumar a nossa casa para
que a politica reflita um projeto de país! Temos tudo o que precisamos para ser
um país prospero e admirado. Mas nos faltam vínculos. E sem eles todo o resto
importa pouco, pois não conseguimos colaborar para o futuro que gostaríamos de
poder pensar.... de poder imaginar, de poder sonhar juntos para então sermos
capazes de construí-lo.
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