quinta-feira, 14 de junho de 2018


A sustentabilidade ambiental e a participação feminina no mercado de trabalho: desafios para a prosperidade, competitividade e redução de riscos:

A questão da sustentabilidade ambiental e do suporte às mulheres no mercado de trabalho causaram um debate quente, por vezes com muita agressividade e acusações vagas e confusas sobre a minha possível orientação politica. Me chamaram de social-democrata como se isso fosse ofensa, de esquerdista, além de termos de baixo calão – que apaguei do meu facebook porque ninguém merece!
 Se há uma coisa que respeito, é a diferença de opiniões. Ela é boa na politica. Mas as manifestações agressivas e acusatórias naturalmente escondem outro fenômeno: a desorientação em um mundo complexo, volátil, incerto e ambíguo, por um lado, e o medo que certos “intelectuais” vem propagando, de forma irresponsável, do meu ponto de vista, sobre temas que assombram, sem razão, os eleitores.
Acho que entender a gênese de certas ideias e sua evolução no tempo é bom para formarmos uma opinião.  Vou contar o que vi sobre a evolução da questão da sustentabilidade, outro lado da moeda da ideia de responsabilidade social corporativa.
Eu fui para o Japão em 1985. Era um outro mundo. E outras questões. Fiquei lá por 13 anos, período no qual tive a oportunidade de trabalhar como assessora para assuntos de ciência e tecnologia da embaixada do Brasil em Tóquio.  Não era um “emprego formal”. Era um contrato que a Embaixada fazia com alunos de doutorado para acompanhar os fóruns sobre ciência e tecnologia no Japão e fazer relatórios para facilitar a cooperação internacional nos temas relevantes.
Acompanhei de perto parte dos debates que aconteceram em Kyoto em 1997. A Wikipedia explica o que foi isso: https://pt.wikipedia.org/wiki/Protocolo_de_Quioto. Pude acompanhar Brasileiros por lá e ouvir os relatos de empresas brasileiras sobre o tema.
O mundo ainda vivia a ressaca do acidente de Bophal, na India (https://pt.wikipedia.org/wiki/Desastre_de_Bhopal) e havia um medo crescente de que os ganhos de escala das empresas, somados com o manuseio de insumos e produtos de risco colocasse a vida das pessoas em risco. Como ter certeza que as populações que viviam perto das empresas não corriam riscos? Por lado, especialmente as empresas químicas e petroquímicas estivam pensando nisso, como garantir que sua atuação não causaria a morte ou danos nas regiões em que operavam? Por outro, os governos não se mexiam.
Em 1984 as empresas brasileiras organizadas na Associação Brasileira de Indústrias Químicas (ABIQUIM) trazem para o Brasil o Programa de Atuação Responsável criado no Canadá para melhorar a imagem das indústrias químicas por meio de atuação preventiva nas áreas de saúde, segurança e meio ambiente. A ideia era de que as empresas não precisam esperar que os governos atuassem e poderiam se autorregular mesmo antes da existência de legislação especifica. Muitas empresas brasileiras começaram, por livre iniciativa, a aderir ao programa.
Essas iniciativas deram origem a estudos que levaram à criação de normas industriais, consolidadas nas normas ISO. Surgem várias certificações, como a ISO 14.000, que trata de meio ambiente, e a ISO 55000, que trata do cuidado com as instalações e outros. As empresas químicas e petroquímicas brasileiras aderiram a implantaram essas normas, que criou um circulo virtuoso de aprimoramento que levou a redução de desperdícios e a inovações em processos industriais que retornaram na forma de redução de custos.
Mas imagens como a de Cubatão (em que o ar era irrespirável naquela época - https://www.bbc.com/portuguese/brasil-39204054 ) e do Rio Tietê eram assustadoras.
A questão da chuva acida no Japão causada pela poluição na China ( https://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S0166046206000809 ) , com a morte de arvores e danos para a agricultura, sinalizavam a possibilidade de conflitos internacionais.
As empresas apontam para vários problemas de ação coletiva derivadas disso. Se uma empresa poluía rio acima, a outra tinha custos quase impagáveis para limpar e ter acesso à água rio abaixo. Se uma empresa não tratava seus dejetos e afluentes, os problemas de saúde publica decorrentes demandavam aumento de impostos para cuidar das consequências. Funcionários doentes em Cubatão tinham maior absenteísmo. O custo dos planos de saúde para os dependentes ia ficando cada vez mais caro. Fora os óbvios problemas éticos.
Conflitos com essas questões prometiam piorar o ambiente de negócios.  As empresas e associações industriais temiam não só pela desorganização que isso geraria, mas pelos óbvios custos não estimados de correção. Como planejar os investimentos no futuro? Como colocar bilhões de dólares em indústrias químicas e petroquímicas com esse tipo de risco? A prosperidade estava em risco.
Um órgão pouco conhecido no Brasil: A UNU. Universidade das Nações Unidas, que fica em Tóquio, coordenava estudos sobre esses temas. Ela é uma meta universidade que coordena linhas de pesquisa em universidades de todo o mundo para gerar bases cientificas para decisões informadas. Na época que eu estava no Japão e na época do acordo de Kyoto, o reitor da UNU era o professor Gurgulino (https://pt.wikipedia.org/wiki/Heitor_Gurgulino_de_Souza) – mostrando a liderança no Brasil nas pesquisas que levaram às recomendações atuais.
A questão era: como valorar o meio ambiente para poder precificar os danos e portanto dar segurança aos investimentos?
Como garantir que aqueles que não fazem a sua parte não destruam tudo que os outros estão fazendo?
Surgem os estudos sobre bens não rivais e não excludentes: como ar limpo e segurança pública, que por sua natureza não podem ser delegados ao mercado. Segurança e ar limpo tem a seguinte característica: quanto mais tiver melhor para todos. Mas o individuo tem incentivo para sujar. É mais barato e mais lucrativo no curto prazo. Como resolver esse dilema? As empresas lideravam os debates nessa direção. O mundo acadêmico e a UNU vieram depois. O Pacto Global da ONU é o produto desse longo processo.
Isso só se agravou com outros acidentes. No Brasil houve grande acidentes com a Petrobras. O adernamento da P-36, o derramamento de óleo na Baia de Guanabara e no rio Paraná. Enormes esforços de ganhos de produtividade eram perdidos nas multas e indenizações pelos danos causados. O acidente da British Petroleum no Golfo do México gera gigantescos prejuízos para seus acionistas e para todos em volta.  
A dissociação entre propriedade e gestão, existente nas grandes multinacionais, vinha criando riscos impensáveis para os acionistas. O problema da assimetria de interesses entre agente (executivo) e principal (acionista) começa a preocupar especialistas e pesquisadores. Para ganhar mais bônus de curto prazo, o executivo poderia decidir investir menos em manutenção e meio ambiente – gerando riscos e prejuízos enormes para os acionistas, que não estavam dentro da empresa para ver e opinar. Como criar modelos de governança empresarial que reduzam esse problema? Ou ainda: como comprovar, financeiramente, para todos os acionistas, a relevância de investir em prevenção?
Freeman propõe uma estratégia de responsabilidade social corporativa para endereçar essas questões (https://en.wikipedia.org/wiki/R._Edward_Freeman). Friedman (https://en.wikipedia.org/wiki/Friedman_doctrine) critica, afirmando que a responsabilidade da empresa era retornar para o acionista. Uma grande parte das empresas aderem a primeira proposta. Algumas advogam pela segunda proposta, mas não conseguem convencer os investidores do mercado de capitais, pois não gerenciam os riscos ambientais e especialmente os fundos de pensão, interessados em rentabilidade de longo prazo, não bancam os riscos.
Do mesmo modo a questão de gênero e diversidade. É do interesse dos acionistas de empresas que competem em mercados inovadores que essas tenham o maior número de talentos nas suas organizações. A IBM tem o programa de diversidade mais antigo do mundo: desde 1910. E com isso traz os melhores talentos das melhores universidades para seus quadros. Todos os estudos mostram que diversidade tem forte correlação com inovação. No Brasil, as mulheres são 59,9% dos egressos de cursos superiores (fonte: INEP), 54,20% dos mestres e 52,10% dos doutores. São 45.5% dos docentes de nível superior, mas responsáveis por 49% dos artigos científicos escritos no Brasil em 2017. Mas na dinâmica de inovação brasileira não há mulheres. Hoje se faz seleção adversa: todos competem por homens brancos. Logo, há menos talentos nesse grupo disponíveis para contratação. Então para evitar mulheres, contratam-se homens com pior formação e desempenho. Para que? Para evitar a licença maternidade. Mas quem faz isso? Aquele que seleciona para a sua equipe, focado nas tarefas de curto prazo e sem visão do impacto disso na estratégia da empresa. A IBM resolveu isso colocando como item de remuneração variável para seus executivos estar no topo do ranking “Melhores empresas para as mães trabalharem”. O resultado é expressivo em termos de inovação. Logo, não são as “empresas” que discriminam. São pessoas dentro delas. De forma contraria aos interesses dos acionistas. Mas esses não estão na gestão. Então são necessários programas e mecanismos para auferir se os processos são meritocráticos e não excluem as mães. Mas o fato é que excluem. As empresas estão implantando programas de diversidade e indicadores de diversidade por essa razão. Os acionistas querem ter certeza de que os executivos estão fazendo a coisa certa para produzir valor sustentável no médio e longo prazos. Mas no debate politico muitos acham que essa é uma questão da esquerda. Há muita dificuldade para pensar em jogo ganha-ganha no Brasil. Porque, para isso, é preciso sair das redes sociais e parar para tentar entender o que está acontecendo de fato.....