terça-feira, 24 de maio de 2011

O vínculo e a cooperação

A predisposição para cooperar pressupõe sentido para a ação e qualidade de vínculo. Cooperamos com causas, objetivos e em direções que acreditamos. As organizações hoje sofrem com a "infidelidade dos talentos" - não só da famosa geração Y. Talentos da geração X estão aproveitando o aquecimento do mercado para dar uma turbinada nas suas carreiras. Os gestores da área de pessoas estão à cata de uma solução para o problema. Elas existem, mas será que estão ao alcance daqueles que estão enxergando o problema?
A questão dos talentos é muito relevante na sociedade do conhecimento. Quanto teria valido, para a IBM, ter um Bill Gates na sua organização? E olha que ele tentou entrar....
Há fatores da nossa cultura nacional que influenciam a nossa cultura empresarial e dificultam, ou até impossibilitam, que os esforços da área de gestão de pessoas das empresas frutifiquem. A não ser que esforços específicos sejam investidos para neutralizar essas tendências. Em primeiro lugar, grande parte do empresariado brasileiro aprendeu a pensar pela lógica ganha-perde:  o talento tem que dar lucro para a empresa no curto prazo, sem investimento no desenvolvimento das suas idéias, tem que criar, inovar, ter foco no cliente etc. Mas não há regras claras para repartir com ele parte do seu resultado do seu trabalho e esforço adicional. Não há um contexto organizacional, entre nós, aberto para discutir seriamente a questão da propriedade intelectual e da participação dos indivíduos nos resultados da sua criatividade e talento. E nem para discutir a importância de desenhar processos, procedimentos e mecanismos transparentes que estimulem pessoas inteligentes a cooperar com a empresa. Se algum talento cair no jogo ganha-perde, criando para a organização e ganhando para isso um salário na mediana de mercado e sem participação nos resultados, desconfie se ele é realmente um talento! Tem que ser muito burro para cair nesse jogo. Os custos de transação e os riscos para o inovador são enormes nas nossas organizações. Eles são os caras que pressionam para a abertura para um novo estado de coisas. E mudança incomoda quem não tem brilho próprio. Especialmente se esses conseguiram seus cargos de poder por meio da política de alianças internas na organização. Tem muita tartaruga em topo de escada. Alguém as colocou lá e elas não querem sair. Muitas empresas querem melhorar seus resultados investindo em capacitação de lideranças para que liderem essa virada! Esqueçam. Não serão as tartarugas que liderarão esse vôo. A mudança precisa vir de novas formas de participação e novos modelos de governança. As regras do jogo ganha-ganha precisam vir dos conselheiros. É necessário criar medidas qualitativas de avaliação das possibilidades efetivas de criar na empresa. É igualmente necessário avaliar a existência de processos para esse fim, capazes de avaliar a qualidade da gestão de equipes de alta performance, ter um planejamento estratégico que parta da avaliação dos entraves existentes hoje para ser uma organização orientada para a produção de valor que permita avaliar os esforços que os gestores estão empreendendo para remover os entraves. Isso é assunto para gente grande. Implementação de estratégias que promovam jogo ganha-ganha depende da capacidade dos gestores de planejar o passo a passo da mudança e avaliar o seu sucesso em redesenhar a organização para que maior quantidade de inteligência possa ser aportada. Mas não vemos muita gente fazendo isso. Pelas seguintes razões:
1) A nossa cultura nacional é de baixa confiança - os gestores não confiam nas pessoas e tem medo de perder tempo e dinheiro com apostas nessa direção. Fala-se em gestão da inovação, mas cobra-se a execução de tarefas com muitos mecanismos de controle. Inovação e controles voltados para a execução da tarefa são opções mutuamente excludentes.
2) Temos excessivo foco no curto prazo, planejamento reativo e processo decisório muito centralizado (sim, somos um dos países mais centralizadores e autoritários dentre aqueles que estão no jogo hoje).
3) Os desenhos de processos estão focados em tarefas e controles. Para criar, só se for no fim de semana ou nos momentos de descanso. O desenho dos processos obriga a execução de tarefas sem a possibilidade de recombinar elementos para ter melhor resultado e liberar pessoas para tarefas mais nobres.
4) As organizações que tinham processos informais de resolução de problemas e orientação criativa para o mercado enquanto estavam na primeira geração, próximos do fundador, destroem esses processos quando partem para a "profissionalização" da gestão. Fazem essa virada sem compreender a cultura e os processos que o fundador criou e que eram fonte de saúde e flexibilidade para a organização. Vi isso em várias empresas familiares brazileiras que cresceram muito nas últimas duas décadas.
Dados esses fatos, o que resta a fazer se você é um profissional esmagado por esses fatores e com diretrizes de inovação:
1) Faça o levantamento das barreiras reais, concretas:
1.1) Analise o tipo de jogo (ganha-ganha, ganha-perde, perde-ganha ou perde-perde na sua organização) e seus impactos nos resultados.
1.2) Busque compreender a essência da organização e os mecanismos informais e flexíveis que ajudaram no seu crescimento. Avalie se eles formam formalizados durante o crescimento ou foram negligenciados.
1.3) Tente analisar a qualidade do vínculo que une as pessoas à organização. Esse vínculo predispõe à cooperação?
1.4) Caso você precise contratar alguém para te apoiar nessa tarefa, um consultor ou uma empresa, verifique, muito cuidadosamente, a coerência nas bases conceituais da metodologia apresentada e pense, sem medo de estar sendo chato(a), se essa abordagem vai resolver o seu problema e convencer os gestores da empresa. Cuide muito para não cair em papo cabeça e abordagens aparentemente lindas, mas sem conexão com os problemas reais que precisam ser resolvidos. Faça um teste: veja se o argumento do seu consultor convence 3 engenheiros. Os engenheiros treinam muito o raciocínio lógico e normalmente implicam com explicações sem consistência.
1.5) Acredite: não há solução simples para problemas complexos - isso é falácia!
1.6) Planeje a mudança e crie uma sequência de passos lógicos para abrir espaços para a construção de uma cultura mais voltada para a inovação.
1.7) Leve seu plano para cima e discuta os recursos que você terá para apoiar as suas ações.

Se não houver espaço para isso, sua organização não é aberta a mudança e não há contexto capacitante para implantar uma cultura de inovação. Se você quer manter seu emprego, finja! Contrate consultores que estão mais para o mercado do entretenimento do que da gestão séria, voltada para resultados. Contrate eventos motivadores, voltados para despertar a sensibilidade das pessoas. Faça as pessoas chorarem no auditório. Comova-as. Mostre resultados como o número de pessoas que assistiram a esses treinamentos. Se te perguntarem por que não funcionou, diga que as pessoas são resistentes à mudança, que a "cultura organizacional" é um entrave e é difícil de mudar, que a liderança não está comprometida. Isso sempre cola. E, para o seu plano de desenvolvimento individual, invista em cursos de teatro. Você vai precisar dessa competência para sobreviver na empresa.

sexta-feira, 20 de maio de 2011

Cultura e inovação

Se há uma questão para a qual precisamos estar atentos é que quando o tema é cultura de inovação, a questão das "soft skills" ganha uma relevância desproporcionalmente maior. Uma das habilidades centrais da liderança de culturas inovadoras é a de comunicação. Em todas as empresas onde entramos a comunicação aparece como queixa central. Isso não ocorre por que os líderes estão se comunicando mal. Mas ocorre por que informação de qualidade é matéria-prima primordial para a cultura de inovação e é necessária não só em maior quantidade mas de forma tratada qualitativamente de maneira estratégica. Isso não é e não pode ser só atribuição das lideranças diretas. O esforço por analisar adequadamente o contexto dentro do qual as informações devem estar situadas, por hierarquiza-las por ordem de relevância, trata-las de maneira a fazer sentido para os indivíduos em relação aos seus desafios e transmiti-las de forma eficaz é grande demais para ser delegada para indivíduos atolados pela rotina. No entanto, essa é a questão que as empresas tratam como sendo relativamente simples de resolver: basta colocar metas de aprimoramento da comunicação para a liderança. Ora, isso não é forma de tratar o principal insumo da organização inovadora. É gerir informação de maneira absolutamente complacente. Há que se construir processos, alocar tempo das pessoas para tratá-la com a relevância que tem, e olhar para essa questão com a relevância estratégica que tem. Sem isso, não há possibilidade de fazer gestão do conhecimento, criar cultura de inovação e abrir espaços para a criatividade. A criatividade necessária a inovação precisa de foco, direção e contexto. Caso contrário, perde-se no lúdico, nas possibilidades não realizadas, nas idéias impossíveis de colocar em prática. Comunicar bem não pode mais ser tratado como tema secundário. Nem como habilidades e esforços pessoais. Precisa ser alçada a competência essencial da organização, caso contrário a perda de energia e sinergia serão grandes o suficiente fazer com que os indivíduos comecem a sentir que os seus esforços não produzem resultados adequados e que os custos de transação para fazer a diferença são tão altos que é melhor focar nas tarefas, pois essas sim tem consequências diretas para os indivíduos no curto prazo. Pensar a disciplina comunicativa é um dos principais desafios. Ainda mais quando ainda somos tantos geração X no comando das organizações.

quinta-feira, 19 de maio de 2011

O caminho para a mudança


Original publicado em 19/05/11
O maior desafio da mudança organizacional e do alinhamento via cultura organizacional é a transformação das pessoas. Mas isso não pode ser feito aumentando as atribuições e as obrigações. Não se pode encher recipientes que já estão transbordando. O risco do burnout, da fadiga crônica, o stress que faz com que o indivíduo não tenha paciência para ouvir uma frase completa está cada vez mais próximo de muitos de nós, tendo hoje que lidar com uma complexidade não domesticada. O contexto atual é árido demais para que as sementes da mudança floreçam. Há que se reconstruir caminhos.
A direção precisa ser a oposta: a da busca pelo equilíbrio, tranquilidade e paz, capazes de nos devolver as potencialidades perdidas pela pressa e pela pressão. Nesse cenário, foi uma alegria encontrar o pequeno livro "Pedagogia da Ternura", do Luiz Schettini Filho. Ao contrário do que parece é um livro forte. Tem a força de uma verdade que nos toca profundamente. O curioso é que o descobri na mesma semana em que a Editora Escala coloca nas bancas a revista "Hitler, Simbologia e Ocultismo", que mostra que a resposta para as nossas inquietações não pode ser uma "espiritualidade" genérica. Hitler era um individuo conectado com o mundo espiritual. Acreditava no mundo místico e seus poderes. A pedagogia da ternura, embora não seja um livro sobre espiritualidade, nos reconecta com a dimensão do amor ao outro que é fonte da força capaz de desvelar potencialidades ....  uma intenção de fundo que o autor nitidamente compartilha com outro grande educador brasileiro que foi Paulo Freire - a de promover o ser humano no sentido mais humanista do termo. Eu recomendo a leitura. Dos dois, aliás. São gotas de paz capazes de acalmar nossos corações turbulentos.

Nota explicativa de 12 de Agosto de 2016

Prezados Leitores, poucos textos causaram mais polemica na minha vida do que esse, escrito em 2012 em um contexto muito diferente do que vivo hoje. Hoje, em plena campanha eleitoral, as pessoas olham para esse texto em busca de alguma perversão de caráter que me desqualifique para a politica. Muitos me acusam de defender Hitler e se, portanto, anti-semita (o que é um verdadeiro absurdo, pois tenho uma profunda admiração pela cultura judaica) e defendo, em todos os meus textos, o valor da multiculturalidade e da interculturalidade para a construção de uma cultura de paz. E de citar Paulo Freire, portanto de ser uma comunista, coletivista, esquerdista que não deveria estar em um partido que defende a liberdade de mercado e do individuo.
Decidi não retirar o texto do blog. Não tenho nada a esconder e não vejo razão para mentir ou fugir. Mas como tenho responsabilidade com o Partido e com todo o esforço daqueles que o trouxeram até aqui, achei melhor explicitar o contexto para evitar futuros mal-entendidos.

Esse texto foi publicado numa época em que o blog era lido pelos meus alunos. Havíamos discutido duas questões em sala de aula:
1) O desafio da gestão da mudança.
2) O peso da cultura organizacional nesses momentos.

Foi em um momento em que os suicídios de executivos do setor de Telecomunicações na França chamavam atenção do mundo. Discutíamos também o suicídio de executivos Japoneses quando da quebra de bancos no país. A questão era: o que causava isso e o que as empresas poderiam fazer.
Haviam muitos psicólogos na turma e pessoas de gestão de pessoas. Liamos sobre o sofrimento no mundo do trabalho e outros temas. A disciplina relacionava gestão de pessoas aos desafios da performance empresarial.
Havia uma tendência, e ainda há, em alguns campos da administração, de falar em espiritualidade e gestão. Tínhamos falado sobre isso. Sobre o sentido da vida, a espiritualidade, o sofrimento no trabalho e o suicido. Recomendei a leitura do "Pedagogia da Ternura" para discutir a sua aplicabilidade à educação de executivos. E o Paulo Freire idem - pois ele tem um texto fantástico para ajudar o educador a ser um facilitador, para o educando, da leitura do contexto social onde se vive e ajudar a construir um universo de escolhas melhores, para que sejam mais livres e mais capazes de organizar a subjetividade. Cito Hitler aqui para chamar a atenção para o RISCO DE FALAR DE ESPIRITUALIDADE ACHANDO QUE NÃO HÁ RISCOS! O objetivo era apontar para a possibilidade de usar a espiritualidade para prejudicar o outro, dominá-lo ou seduzi-lo para reduzir a sua possibilidade de leitura critica do ambiente, o que seria ruim nas organizações. A critica sobre  cultura é importante para que executivos exerçam o seu papel como lideres na organização e promovam as mudanças necessárias. Note que Hitler acreditava no mundo espiritual e aberto ao ocultismo, mas fazia isso para dominar, controlar e destruir. O texto indica a necessidade da orientação para o outro, para o amor, como bussola. Para a importância de ter uma orientação para o desenvolvimento da pessoa e da sua capacidade de construir um ambiente de trabalho saudável e produtivo.
Para um texto meu mais elaborado sobre espiritualidade e gestão ver no livro:
Migueles, Carmen & Zanini, Marco Tulio (orgs). Liderança Baseada em Valores. Rio de Janeiro, Editora Campus, 2009. Cap. 2.