Observo comportamentos. Por vício e profissão. Vejo a crescente
irritação dos brasileiros com a ineficiência de nossos serviços, com a
corrupção desenfreada de nossos políticos, com a dificuldade de desenvolvimento
em diversos setores em nosso país. Ouço expressões como: brasileiro é assim, é
porque o povo brasileiro age de tal maneira. Mas quem seriam esses brasileiros,
que são assim, que atrapalham o desenvolvimento de nosso país? Ontem observando
o comportamento das pessoas na chegada do avião ao Santos Dumont pensei: esses
brasileiros somos nós.
Todos nós, ao menos em teoria, compartilhamos a ideia de que a Saúde,
Segurança e cuidado com o Meio Ambiente estão diretamente ligados à preservação
da vida, e isso é valor para todos nós. Sabemos que qualquer meio de transporte
tem riscos. Sabemos que o manuseio de combustíveis, fundamental para que o
avião cumpra sua tarefa de transportar traz riscos.
Esperamos que as companhias aéreas sejam responsáveis com os
procedimentos e padrões de segurança e que treine suas tripulações para zelar
por elas. Estaremos prontos para atacá-los se não fizerem sua parte. Estamos
prontos para gritar, xingar, acusar... Em suma: defender nossos “direitos”. E é
então que acontece... O comandante pede: desliguem os celulares. Olho ao meu
redor. A moça do meu lado finge que desliga. O rapaz do outro ignora e continua
a escrever sua mensagem. A aeromoça (provavelmente exausta de pedir que se
cumpra a ordem, porque é uma ordem, finge que não vê – já deve ter se
estressado muito com a falta de educação desses indivíduos).
Há riscos? Claro. Ou alguém imagina que esse procedimento seja repetido
em todos os voos porque o comandante não tem mais o que fazer? Na chegada, o
comandante pede: não liguem os celulares até a chegada no saguão do aeroporto.
Há risco? Claro. O mesmo que há nos postos de gasolina, onde há uma placa
indicando que é proibido o uso de celular. Inúmeros acidentes sérios já
aconteceram. As empresas ficam em uma posição terrível: precisam que os
procedimentos sejam cumpridos, mas não podem causar pânico.
Várias pessoas têm medo de avião. Imagine o comandante explicando os
riscos em detalhe para que todos se sensibilizem... Imagine o medo de alguém,
mais sensível, ao imaginar que, havendo o risco, alguém não esteja cumprindo a
recomendação e ele(a) possa ser atingido? Qual é o grau de segurança do sistema
contra pequenas desobediências? Antes que o comandante termine de falar, vejo a
enorme maioria dos passageiros ligando o celular e usando-os para mandar
mensagens ou falar – em um flagrante desrespeito com a norma de segurança e com
o comandante.
Em países onde as pessoas entendem, minimamente, que as regras são meios
para um fim maior, nesse caso, preservar a segurança, tendem, na dúvida, a
cumprir a recomendação. E o que nós fazemos? Descumprimos, desrespeitamos o
comandante no exercício da sua função, afrontamos os comissários, porque
estamos com pressa, precisamos falar, temos ataque de ansiedade descontrolada.
Afinal, ninguém pode nos impedir de fazer o que queremos! É a prova da nossa
incapacidade de agir orientados por valores. É a total dissociação entre
valores e comportamento. Somos nós nos enganando e traindo a nós mesmos. Somos
nós, incapazes de agir a altura do que esperamos que os outros façam. Somos
nós, traindo nossos ideais de sociedade. Todos, cada um.
Então vemos que o Brasil tem taxas alarmantes de acidentes, de trabalho,
de trânsito e domésticos. Muitos, mas muitos brasileiros morrem todos os anos
em decorrência dessas falhas. De quem é a culpa? Fica mais fácil para nós
colocar a culpa no outro. No governo, na autoridade, na empresa, nas
instituições. Temos uma grande capacidade em nos desimplicar das coisas, das
responsabilidades, das causas, das escolhas, das consequências dos nossos atos,
das nossas ações e das nossas omissões. E nos indignamos, porque ninguém
resolve as coisas por nós. Os acidentes acontecem e “as autoridades não fazem
nada”. As “autoridades” estavam naquele avião.
Pessoas que muitas vezes se dizem preocupadas em resolver o problema da
“cultura de segurança” em suas empresas, andam nesses aviões. Eu convido essas
pessoas e todos os brasileiros a questionar: Quando começaremos a pensar sobre
o nosso papel e nossa responsabilidade com a sociedade que queremos ter e
viver? Eu quis falar – um alemão falaria – com o indivíduo do lado que coloca a
segurança de todos em risco. Mas falar com quem, quando todos estão fazendo a
mesma coisa? A falta de alinhamento entre as pessoas que se consideram de bem,
que compartilham dos valores, e de disciplina pessoal para agir baseado em
valores é tão grande, que quem fala é o chato, o louco, é mal educado, é aquele
que se mete na vida dos outros. Então nos omitimos. E aí dá no que dá. Nos
acidentes, na política, na vida... E no final do dia postamos, no facebook, uma
linda frase de Mahatma Gandhi que diz: SEJA VOCÊ A MUDANÇA QUE QUER VER NO MUNDO.
E mandamos para os outros.
Carmen, compartilho 100% da sua visão. Entendo que há aspectos culturais nestes maus hábitos que temos. Mas essencialmente, ligados à falta de educação - não necessariamente a educação formal, da escola. É a falta da cultura ética e de valores dentro de casa, espelhadas naqueles que elegemos para serem nossos representantes no governo. São muitos os sintomas desta falta de educação, que é coisa antiga e enraizada no nosso país. Entendo que uma revisão dos currículos escolares, com a inclusão de conteúdos intensivos sobre ética, cidadania e sustentabilidade, desde a mais tenra infância, pode ser uma forma de ajudar a mudar o rumo das coisas. Tem muita coisa urgente a ser feita. Muitas prioridades. Mas entendo que não chegaremos muito longe sem um investimento pesado em educação, uma reformulação da grade curricular e a valorização e treinamento continuo dos profissionais da educação. É um investimento de longo prazo, que em geral os políticos brasileiros, extremamente curtoprazistas, não tem disposição de bancar. Mas como sou brasileira e não desisto nunca, tenho esperança de que um dia esse modus operandis mude para melhor! Abraço e boa sorte nas eleições!
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