Competitividade,
produtividade e gestão de riscos: desafios para o Brasil.
Alguns dias depois do desastre de Brumadinho,
um executivo da empresa afirma: as informações sobre os riscos não chegaram na
diretoria! Muita gente ignora essa frase, que ouvimos em tantas empresas nas
quais trabalhamos como pesquisadores e consultores.
Nossas pesquisas mostram que há fatores da
cultura nacional que funcionam como passivos intangíveis na nossa economia. São
ralos por onde escoam nossa produtividade, competitividade e segurança.
Muitos são os estudos sobre a relação entre
fatores intangíveis: cultura, confiança, capital intelectual e reputação sobre
a prosperidade econômica. Mas pouquíssimos estudos conseguem isolar variáveis e
de fato medir seus impactos, estabelecendo relações causais claras e
impactantes. Por 16 anos, eu e Marco Tulio Zanini pesquisamos esse tema. Na
verdade, desde que eu cheguei no Japão para fazer o meu mestrado, em 1985, a
relação entre cultura e desempenho econômico já permeava meu trabalho de
pesquisa.
Depois de varias etapas de pesquisa
quantitativa e várias replicações de estudos qualitativos chegamos a três variáveis
que, somados, interagem negativamente prejudicando a nossa produtividade,
competitividade, inovação e gestão de riscos. São eles: 1) A alta distancia de
poder, ou seja, a aceitação de grande desigualdade e autoritarismo, que na pratica
se traduz em uma grande distancia entre estado e sociedade e entre o topo e a
base da organização; 2) A forte propensão a evitar incertezas; que se traduz em
esforços disfuncionais por criar normas, regras, padrões, procedimentos,
controles e acompanhamentos que engessam a organização e criam dificuldades e
riscos insuperáveis para fazer a coisa certa de acordo com a situação (ambas métricas
internacionais desenvolvidas por Hofstede (https://www.hofstede-insights.com/product/compare-countries/)
e a baixa confiança (http://www.worldvaluessurvey.org/wvs.jsp).
A questão da confiança aparece como central em vários estudos: no clássico de
Robert Putnam, que ao comparar o desenvolvimento maior da Italia do Sul e o
menor da Italia no norte em um longo estudo longitudinal encontra na confiança
e na sua noção correlata de capital social a explicação para as diferenças, nos
trabalhos vencedores do Prêmio Nobel de Economia de Oliver Williamson e Elinor
Ostrom, além de trabalhos como os de Fukuyama, Diego Gambetta e no livro do
Zanini, “Confiança”.
A evolução das nossas pesquisas sobre as causas
das altas taxas de acidentes no Brasil nos levou ao coração das perdas não
mensuradas que esses fatores causam. E
também à compreensão de como neutraliza-los, em dois estudos que fizemos: um
estudo longitudinal no BOPE e outro, mais curto, no Hospital Albert Einstein.
Descobrimos que se neutralizarmos esses fatores teremos ganhos significativos
de produtividade, competitividade e segurança.
Em 2007 a Petrobras patrocina um livro meu, do
Lafraia e Costa chamado “Criando o Habito da Excelência”, em que fazemos uma
longa investigação qualitativa das causas dos acidentes no Brasil. De lá para
cá, buscamos ir cada vez mais fundo isolando fatores causais. Não imaginávamos
que essa pesquisa nos traria ao coração dos desafios de coordenação no Brasil.
Descobrimos que para conseguir aprimorar a
coordenação interna e evitar grandes acidentes e grandes perdas é necessário aumentar
a responsabilidade da base por encontrar soluções para problemas recorrentes.
Isso reduz os efeitos negativos da desigualdade e da heterogeneidade da nossa
sociedade sobre a comunicação e cooperação e aumenta a confiabilidade e a
previsibilidade. O resultado é o aumento da confiança, que reduz custos de
transação, os riscos de tentar fazer a coisa certa, e a necessidade de tantos
controles e a produtividade. Responsabilidade compartilhada é o que reduz a
distancia de poder enormemente. Com os ganhos de confiabilidade e
previsibilidade que a participação ordenada traz, fica mais fácil fazer gestão estratégica
e meritocrática de recursos humanos, com impacto positivo na competitividade e
na inovação. Mas é difícil convencer os
lideres a abrir espaço para essas descobertas. Sem suporte para esse movimento,
o risco para a liderança intermediaria de investir esforços nessa direção é
muito grande.
Com baixa confiança ninguém pára para organizar
diagnósticos adequados da situação na base, não se organizam as informações e
nem se trabalha para ter estratégias emergentes na base que possam destravar a
produtividade e aumentar a segurança. A assimetria de informação entre o topo e
a base é enorme. Não há suporte para que os melhores possam fazer o seu
trabalho com o máximo de competência, maestria e profissionalismo ao longo da
cadeia de comando. Não há espaço para a gestão do conhecimento. Nem da
inovação. Não porque a educação seja ruim. Não porque sejamos piores que outros
países. Mas simplesmente porque não paramos para analisar o impacto dos fatores
intangíveis sobre a nossa economia. O topo desconhece o que acontece em baixo e
vice-versa.
Ora,
a produtividade vem da qualidade da coordenação e da cooperação interna.
Ouvimos muitos afirmando que a produtividade e a competitividade no Brasil são
baixas por causa da educação e do baixo investimento em infraestrutura. Um
pesquisador da nossa linha de pesquisa, que trabalha no BNDES, foi testar nossa
descoberta macroeconomicamente. Pegou a serie histórica da posição do Brasil no
ranking global de competitividade (http://www3.weforum.org/docs/GCR2018/05FullReport/TheGlobalCompetitivenessReport2018.pdf),
a serie histórica de investimento em educação e em infraestrutura e testou a
causalidade. Não encontrou relação nenhuma. O que explica nossas dificuldades é
a baixa confiança.
Sabíamos
disso. A produtividade é uma função interna da firma. Desde que Taylor
conseguiu aumentar a produtividade em 300 vezes com a introdução do método de
administração cientifica, no começo do século XX, está claro que produtividade
é algo que se resolve dentro das organizações. A competitividade também. É
claro que a burocracia, a baixa qualidade das nossas instituições e a nossa
loucura tributária impactam negativamente. Mas não são os fatores causais
centrais.
Mas
temos encontrado muitos, mas muitos lideres empresariais que acreditam que a
liderança na direção de uma economia mais forte e competitiva vem do Estado
para a sociedade. Quando todas as evidencias são do contrario: quando lideres
empresariais se organizam para criar um projeto de prosperidade e constroem
fortes vínculos entre eles (o tal do capital social), são capazes de resolver
em boa parte o processo de seleção adversa que torna o estado presa fácil de
oportunistas e incapazes. Mas esse é outro assunto.... Onde há capital social e
confiança os oportunistas e incapazes simplesmente não tem espaço para tomar o
poder. Precisamos avançar nisso.
A tese de Oliver Williamson mostra, depois de
longas pesquisas, que sociedades não evoluem de cima para baixo. Nem por iniciativa
de indivíduos soltos no mundo. As mudanças que duram e transformam as
instituições e as regras do jogo ocorrem ao nível meso. É no nível das
organizações onde as transformações ocorrem. Estamos deixando esse processo
solto. Ocorrendo por inércia. Na hora que decidirmos de fato liderar um
movimento na direção de mais prosperidade, o Brasil será um pais mais
produtivo, competitivo e com menor incerteza. O que falta? Liderança! E coragem
para iniciar esse movimento.
Vejamos:
Ranking dos países por registro de patentes na
Organização Mundial da Propriedade Intelectual:
2018
1º Estados Unidos: 56.002 (-1.2%)
2º China: 53.343 (9.1%)
3º Japão: 49.706 (3.1%)
4º Alemanha: 19.752 (4.2%)
5º República da Coréia: 17.014 (8.0%)
6º França: 7.920 (-1.2%)
7º Reino Unido: 5.639 (1.3%)
8º Suíça: 4.564 (1.8%)
9º Suécia: 4.163 (4.7%)
10º Holanda: 4.137 (-6.6%)
27º Brasil: 617 (4.8%)
No mais recente relatório do Índice Global de
Inovação 2017 (WIPO, 2018a) foram analisados 126 países. O Brasil está
posicionado em 64º lugar globalmente, 15º dentre os países de renda média para
alta, 6º na região da América Latina e Caribe, 85º no ranking de eficiência
(contribuições em relação aos resultados) e está considerado dentro do grupo de
países inovadores ineficientes, em relação ao PIB. Para efeito de comparação
com outros membros do grupo BRICS, o Brasil ocupa a pior colocação global,
atrás de China (17º), Rússia (46º), Índia (57º) e África do Sul (58º). O nosso
PIB é o 7º maior do mundo.
A pequena Finlândia tem 8.386 patentes concedidas
em 2017. Com apenas 5.503.000 habitantes. Está várias posições na nossa frente.
Ora, esse pequeno país tem uma população menor do que a do município do Rio de
Janeiro, com suas muitas universidades. De acordo com o senso nacional de
educação, nesse mesmo ano tínhamos 8.3 milhões de estudantes matriculados em
cursos de graduação no Brasil. E entre 1997 e 2017 foram titulados 740 mil
mestres e 232 mil doutores entre nós. Quase 20% da população da Finlândia. Temos
gente educada mais do que suficiente para inovar. E uma das maiores taxas de
PhDs desempregados do mundo (ou trabalhando em atividades não cientificas).
Só
os fatores intangíveis explicam nossas dificuldades. E a boa novidade é que
esse podemos mudar com pouco investimento de dinheiro. Mas com algum
investimento de tempo e muito investimento de coragem.
Há
muito dinheiro na mesa se fizermos isso. E se conseguirmos fazer isso, seremos
um pais mais igual, mais rico e mais prospero.
Eu sei que muita gente vai falar mal das nossas
universidades. E das nossas empresas. Temos esse vicio horroroso de generalizar
a partir de informações rasas e superficiais. Temos o vicio horroroso de
aceitar explicações fáceis e não pensar baseados em evidencias, dados e fatos.
Como os EUA, a China e o Japão fazem pesquisa aplicada? Um pessoa ou grupo de
pessoas de uma empresa investem tempo em encontrar um pesquisador ou time de
pesquisa com conhecimentos em uma área relevante para eles, financiam a curva
de aprendizagem do seu negocio e suas dificuldades tecnológicas, de processo ou
de gestão, participam de reuniões e apresentações ao longo do processo de
pesquisa e quando os resultados saem, compartilham os ganhos.
Pesquisa aplicada e relação entre empresas e profissionais
de pesquisa nas universidades se constroem dessa forma. É um processo parecido
com os de recrutamento e seleção ou de parcerias empresariais. É necessário encontrar
a pessoa adequada, com as competências adequadas, permitir que trabalhem tempo
suficiente para desenvolver alguma coisa e ter regras claras sobre como
compartilhar os custos e os resultados. Se é pesquisa básica, ou várias
empresas racham os custos ou o Estado entra com parte dos recursos. Se é
pesquisa aplicada a iniciativa privada é quem banca. Onde há uma dinâmica de
inovação há o investimento de pelo menos 4 dólares privados para cada dólar público.
O Brasil quase a totalidade dos recursos investidos em pesquisa são públicos.
Não estou defendendo a pesquisa em
universidades privadas. Esse não é e não deve ser o seu papel. Não se pode
fazer com que os pais que pagam impostos que sustentam as universidades públicas
e precisam pagar as mensalidades das universidades privadas paguem também a
pesquisa duplamente – aquela financiada com recurso dos pagadores de impostos e
a financiada por eles embutido no preço das mensalidades. Estou falando em
investimento de empresas...... Não é difícil. Mas ...... ah..... sempre temos
os mas.....
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