Sobre a igualdade, a
liberdade e a meritocracia como fatores de desenvolvimento
Eu
fui convidada para falar para um grupo de jovens e crianças na Igreja da
Ressureição, em Copacabana. A maioria delas da comunidade do Pavão Pavãozinho. Perguntei: vocês são livres? Todos concordaram
que não. A razão pela qual acreditavam não ser livres era porque não podiam ter
e fazer tudo o que queriam. Não era esse o entendimento de liberdade que me
interessava. Porque não é possível para o ser humano esse tipo de liberdade. Eu
gostaria de voar. Sonho antigo da humanidade. Mas não posso. Isso não reduz a
minha liberdade.
Mudei a estratégia. Falei sobre vários líderes
empresariais brasileiros que quando começaram a sua história eram tão pobres
quanto eles. Não é difícil achar. Esses são muitos em um país de imigração e industrialização
recentes. Perguntei: o que vocês acham que eles fizeram para conseguir tanto
sucesso? Eles responderam: deram sorte, roubaram ou enganaram alguém ou alguém ajudou;
Eu estava tentando demonstrar que é possível mudar a própria vida se a pessoa
se organiza para isso e persevera nas suas intenções.... Estava difícil.
Tive uma
ideia: recorri à antiga metáfora do anjinho falando em um ouvido e o diabinho
falando no outro. Perguntei: o que o anjinho fala em uma orelha? Um menininho
de uns 9 anos disse: ele diz para eu tomar banho.
- Você toma?
- Não....
- O que o
diabinho diz?
- Ninguém vai
me cheirar mesmo....
- Mas quem
quer seu bem?
- O
anjinho.... Se eu não tomo banho fico cheio de pereba..... Mas eu não gosto
muito de banho......
Quem mais quer contar uma história?
Outro menino, agora com uns 14 anos, começa:
- O anjinho diz para eu ler e
estudar.
- Você lê e estuda?
- Não.
- Mas porquê? O que o diabinho
diz?
- Não é diabinho não.... é um
diabão desse tamanhão.... É meu game.... vou estudar ele diz: você está quase
passando da fase..... Meu pai grita: menino, desliga esse negócio e vai
estudar..... o diabão diz: nem liga.... daqui a pouco ele tá babando no
sofá.....
Falamos sobre
a liberdade como a capacidade humana de escolher entre coisas melhores e piores….
Eles acharam esse exercício muito difícil. Não estão sozinhos. O peso da
liberdade é mesmo difícil de carregar…. Ser livre é ser dono das próprias escolhas
e responsável pelas consequências…daí a sua importância. Essa era a razão pela
qual estávamos ali. Em um grupo chamado, não sem razão, grupo da Perseverança.
O objetivo é apoiar-nos uns aos outros nessa difícil tarefa. Pois embora difícil,
tentar escapar dela é sempre pior....
Mudamos o exercício. Propus um
teatro. Contei essa estória:
- Eu sou um trabalhador ali da comunidade. Trabalhei
minha vida toda e agora perdi o emprego. Recebi meu fundo de garantia e tinha
algum dinheiro na poupança. Pensei: o que posso fazer? Pensei nas crianças da
comunidade, em como era difícil descer para tudo, até para comprar um lápis. Decidi
abrir uma pequena papelaria na varanda da minha casa. Trabalhei duro. Com o
dinheiro que ganhava sustentava minha família. Aos poucos minha papelaria
ficava conhecida e eu vendia mais. Procurava ter o melhor preço possível. As
crianças não tinham muito. Ganhava meu dinheirinho, mas era sempre pouco e apertado.
Mas como eu sabia o que elas precisavam e tinha um preço bom, comecei a
prosperar. Nessa hora decidi colocar uma placa na porta: “Precisa-se de
ajudante”. Disse para eles:
- Vocês precisam vir para a
entrevista de emprego e me convencer a contrata-los.
O primeiro disse:
- Moço, sei que o senhor está
procurando ajudante.... Que preciso de emprego. Minha mãe está doente, os remédios
são caros... eu disse não.
O segundo disse:
- Eu tenho cinco filhos... minha
mulher está gravida do sexto.... Não tenho como comprar comida. O senhor me dá
esse emprego?
Eu disse não, infelizmente eu não
poderia dar o emprego para ele.
O terceiro contou uma história
pior, de doença e fome....
Eu disse não.
Então o menino disse: mas a
senhora é ruim que é o cão, hein? O que eu preciso dizer para a senhora me dar
o emprego?
- Que você é muito bom de matemática,
pode me ajudar muito a melhorar o meu negócio. Seria melhor se você disse: - gostaria
muito de trabalhar aqui. Sou muito bom de vendas. Tenho uma serie de ideias de
como podemos crescer. Se eu conseguir fazer o seu negócio crescer, digamos,
50%, o senhor me dá uma sociedade?
Os meninos disseram: - Não, isso
não pode dizer! O dono vai achar que você quer tirar vantagem dele!!!!
De onde veio essa crença? De que
ser necessitado, dependente e sem ambições seria melhor do que ser capaz,
altivo e propositivo? O que essa crença tem a ver com a falta de valor que o
jovem dá para escola?
Ela vem de uma profunda visão de
desigualdade e de que o interesse do pequeno empresário é diferente e oposto ao
do seu funcionário. Essa crença está por trás da ideia de que trabalhar para
ajudar o patrão a prosperar é uma forma de aceitar a própria exploração. É a
visão de que numa sociedade de desiguais, em que para um ganhar outro tem que
perder.
O pequeno empresário, se tivesse
gasto seu dinheiro ao invés de investir, por medo do risco de fazê-lo, seria um
igual. A coragem de correr riscos, trabalhar duro e tentar vencer parece colocá-lo
em um outro lugar: no lugar dos fortes e poderosos que, por falta de escrúpulos,
emprega alguém para enriquecer às suas custas. Ao não se ver como igual, o
jovem não vê valor em unir forças e aproveitar que o outro acumulou algum
dinheiro para partir de uma posição de maior vantagem em seu próprio esforço
por empreender para construir algo melhor.
A
visão de igualdade o ajudaria a perceber que se o outro está buscando ajuda é
porque há mais trabalho do que ele consegue fazer sozinho. De que para um
pequeno empresário como esse em uma comunidade, não deve ser fácil sustentar a família
e pagar as contas. E que mérito está em ajudar o outro a ganhar ajudando-o a
gerar mais valor para as pessoas que são clientes do seu negócio, nesse caso as
crianças da comunidade. E que o estudo ajuda nesse esforço de prosperidade. Que
liberdade, nesse caso, é a capacidade de enxergar alternativas e fazer as
melhores escolhas para si mesmo, pois a soma das melhores escolhas individuais
produz resultados melhores para todos, colabora para que juntos todos se
beneficiem do esforço de cada um.
A
visão de desigualdade faz com que o jovem ache que emprego é caridade. Que o
empregador, já sobrecarregado com a tarefa de cuidar da própria família e do próprio
negócio deveria dar emprego para alguém que colocaria mais peso sobre os seus
ombros. Nesse contexto ele não consegue enxergar o valor da sua contribuição. E
não consegue fazer as melhores escolhas. Ele não entende o que queremos dizer
quando afirmamos que o indivíduo é o único gerador de riquezas. Que o livre
mercado é a maneira mais fácil de fazê-lo prosperar. E de que todos se
beneficiam quando ele usa o máximo das suas competências. Temos muito trabalho
a fazer. Precisamos da sua inteligência e da sua vontade para estarmos melhor
no futuro. E ele não sabe do valor que tem.
Igualdade,
liberdade e meritocracia pressupõe o esforço da subsidiariedade. Dessa
capacidade de ajudar o outro a desvelar todo o seu potencial. Essa é a
solidariedade que nos fará melhores. Se todos tentarem, será muito mais fácil cuidar
de quem precisa. Eles serão em muito menor número e o conjunto dos cidadãos
será muito mais prospero.
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