O papel do Estado na Saúde, na Educação e na
segurança e a liberdade de mercado: pautas compatíveis.
Muitos jovens hoje me perguntam se a
iniciativa privada não poderia cuidar da educação e da saúde. Na teoria sem
dúvida que poderia. Mas na prática não há como em um país como o nosso, de
passado colonial recente, um dos últimos países do mundo a abolir oficialmente
a escravidão, com forte desigualdade e com uma explosão de crescimento da
década de 1950 em diante. E entender isso faz parte da diferença entre ser um
partido idealista, utópico e mais orientado pela ideologia e um partido
pragmático, orientado para resolver os problemas concretos de uma sociedade
complexa como a nossa.
Para começar a conversa é preciso
notar que: 1) Nada, mas nada mesmo, impede, hoje no Brasil o surgimento de mais
escolas privadas. Há burocracia estatal. Sem dúvida. Mas abrem-se escolas todos
os dias. São muitas. De diferentes níveis de qualidade e de diferentes
orientações pedagógicas. Mas faltam vagas nas boas creches e escolas do Rio. E das outras cidades do Brasil também. No campo nem se fala. Se
há demanda, porque não há oferta? Essa é uma questão interessante. Qualquer um
que tenha filho em idade escolar e procure uma excelente escola no Rio vai
descobrir que faltam vagas. Há filas de espera em todas. Mesmo nas que custam
R$ 4.000,00 ou R$5.000,00 de mensalidade. Faltam vagas nas creches. Nas mais
caras também. Onde está a oferta privada de vagas? Porque ela não cresce? Há
uma série de razões para isso. Dentre elas gargalos de gestão e escassez de
mão-de-obra qualificada. Sim! Faltam professores, especialmente de português e
matemática. Em todo o Brasil. Faltam coordenadores e orientadores pedagógicos
bem formados. Faltam bons diretores escolares. Na rede privada e na rede
pública, é bom dizer. Teoricamente se faltam professores mais gente estudaria
para essa profissão. Mas nossa sociedade não valoriza esse oficio. Os salários
não são bons. E onde são bons, a estabilidade é discutível e essa não é uma boa
profissão se você quer passar a vida trocando de emprego. É sempre bom notar
que nos comparativos internacionais, como no PISA da OCDE, o resultado médio das
escolas privadas brasileiras é menor, em termos de desempenho dos alunos, do
que a média das escolas públicas no teste PISA.
Nos comparativos internacionais
quatro países enfrentam problemas similares em relação à educação. Brasil, Rússia,
Índia e China. Esses países tiveram uma explosão populacional muito grande no
pós-guerra, especialmente dentre os cidadãos de menor renda. Havia um quadro de
miséria crônica que começa a ceder nos anos 80 por uma confluência de fatores. Alguns
independente de politica publica. Aqui no nosso caso: o declino da taxa de
fecundidade. Até a década de 50 a media brasileira eram de 5 filhos por mulher.
Hoje estamos abaixo da taxa de reposição: algo em torno de 1,8. Famílias com
menos filhos conseguem cuidar melhor daqueles que nascem e a demanda por
educação tende a se estabilizar. Mas os números ainda são muito grandes.
O grande desafio desses países foi o
crescimento desordenado. Em países onde houve um crescimento mais organicamente
equilibrado, o numero de professores, médicos e outras profissões crescia junto
com a população.
Nos BRICs, a partir dos anos 90 e
com forte aceleração após 2000, a nova classe C e as classes D e E, com mais
acesso à informação, começam a demandar fortemente educação e saúde. Mas não
havia infraestrutura, recursos financeiros e humanos para dar conta disso.
Houve um forte esforço de universalização da educação, mas com falta de
recursos o salario dos professores e as condições de ensino não eram boas. O
que aconteceu foi uma enorme desvalorização da atividade dos professores e a
redução da atratividade dessas carreiras para os mais talentosos. Hoje, temos
um numero insuficiente de professores, especialmente de português e matemática,
que é crônico em todo o país. Assim como temos falta de médicos. Os professores
que se formam escolhem a carreira muitas vezes pela estabilidade do vinculo com
o estado e aceitam um salario baixo porque mesmo esse é uma ascensão social. Ou
seja, os professores não trazem uma boa educação de berço. Normalmente vem de
famílias de baixa renda onde educação não é valor. Não sabem o que é viver em
uma sociedade onde educação é valor e muitos não conhecem o que é um professor
de ensino fundamental de qualidade. Há muitos heróis e muita gente fazendo
coisa boa. É necessário organizar a cooperação para que haja um processo
continuo de aprendizagem e compartilhamento de melhores práticas.
Como consequência do baixo salario,
muitos professores têm duplo ou triplo vinculo empregatício. Trabalham em várias
escolas. Com isso, não conseguem conhecer adequadamente os alunos nem criar
estratégias para garantir a aprendizagem. Um aluno de ensino fundamental
precisa da “professora”: aprende em uma relação de afeto. Não tem maturidade
nem autonomia para aprender sem apoio. Não é uma questão só de conteúdo, mas de
presença e atenção do professor. E a escola não funciona bem como apoio ao
processo de aprendizagem infantil. Dai o analfabetismo funcional. O
desenvolvimento das habilidades cognitivas do educando se dá por meio da
interação e da brincadeira até o fim do ciclo fundamental. O professor precisa
estar ali estimulando de forma ativa e com bons métodos e recursos. Mas esse
tipo de capacitação de professores custa caro. Na Finlândia, que é o país de
referencia hoje no mundo e o 1º lugar no PISA, os professores do ensino
fundamental tem mestrado na área. Para nós, há um fosso enorme para ultrapassar
para chegar lá.
O Brasil vem investindo seriamente
em formação de gente qualificada. O número de mestres e doutores cresceu muito
desde o começo do milênio. Mas há ainda muito esforço pela frente. Precisamos
melhorar a qualidade da pesquisa aplicada em educação. Precisamos melhorar a
compreensão das complexidades regionais e desenvolver soluções que funcionem em
diferentes contextos. As universidades podem e de alguma forma fazem isso. Mas
fazem com recursos públicos de pesquisa desperdiçados por problemas de foco. As
parcerias com as empresas privadas ajudariam muito aqui. E pode-se dizer: Mas a
iniciativa privada poderia fazer isso! Poderia. Mas não faz. O investimento
privado em pesquisa no Brasil é muito, mas muito pequeno mesmo. Na Coréia há 4
dólares de recursos privados para cada dólar de recurso público em pesquisa. Há
recursos subsidiados para pesquisa pelo setor privado na FINEP. Estamos em 69º lugar
no mundo no ranking de inovação. Mas somos o 13º maior produtor de papers científicos do mundo. Produz-se ciência.
Mas ela não vira inovação, pois para isso seria necessário investimento
privado. E por que a iniciativa privada não investe? As causas são muitas. E
complexas. Mas de modo geral por uma confluência entre três fatores: uma matriz
econômica fortemente calcada na produção de commodities, onde inovação conta
menos, e um cenário econômico de forte incerteza e baixa confiança, que é um
desestímulo. Mas não há barreiras reais. Há aqueles que investem. Mas está
longe de ser o ideal. Há muito esforço coordenado que precisa ser feito para
melhorar os resultados nessas áreas.
O aumento da liberdade de mercado e
a redução dos impostos reduziria a incerteza e aumentaria a confiança. Isso
geraria maior tranquilidade para investir. Os ganhos de competitividade e
produtividade aumentariam os retornos para todos. Mas em termos de educação, há
desafios complexos e sistêmicos que precisam ser geridos de forma relativamente
integrada. O custo de deixar para a iniciativa privada seria de algumas
gerações sem educação. No longo prazo, estaríamos todos mais analfabetos.
Em termos de saúde pública a
situação é ainda mais dramática. Falta oferta que caiba no bolso das parcelas
mais pobres da população. Faltam médicos na população brasileira. O custo de
uma faculdade de medicina é altíssimo. Mesmo com financiamento público, a maior
parte da população brasileira não teria como cursar esse curso. Brincar de “menos
estado” aqui pode ser uma carnificina! Ou a pessoa que defende isso é muito
jovem e não conhece a complexidade da questão, ou suas ideias valem mais do que
vidas humanas.
Sem dúvidas que o sistema é ruim. Assim
como na educação, sofremos dos mesmos desafios que outros BRICs. Mas do ponto
de vista ético e humano não dá para desistir dessa via. Falta renda e falta
oferta qualificada de serviços médicos. E aqui, literalmente, no longo prazo,
estaremos mortos.
Na segurança o investimento público
é fundamental, pois é ele que garante o domínio da lei. O império das leis e a
liberdade dependeram, desde sempre, da concentração do direito ao uso da força
nas mãos do Estado. Só o Estado pode prender, punir e julgar. Dai a importância
de manter uma forte vigilância dos cidadãos sobre o Estado, da repartição e equilíbrio
entre os poderes e da imprensa livre. Liberdade sem o império das leis é a lei
do mais forte. A liberdade de ir e vir, a segurança para comerciar, para
trabalhar e juntar propriedade sempre dependeu da existência de instituições
que garantam o direito à propriedade e os contratos. O mercado livre não é a
lei da selva. A selva não é o mercado. O mercado funciona onde as instituições
funcionam. Onde as leis valem.
A liberdade é sedutora. A ausência da
autoridade, quando somos jovens, é um sonho. Mas um partido politico maduro
precisa ser responsável por essas questões e saber que vivemos em um país em
que mais de 40 milhões de pessoas estão nas classes D e E, e que essas pessoas
não estão dispostas a votar nas aventuras e nas promessas de uma liberdade
distante.
Liberdade de mercado, para gerar
riquezas, e qualidade em gestão pública, para avançar nessas três áreas
centrais, não é apenas uma questão pragmática. É uma questão ética. É um
compromisso com cidadãos que fazem parte da mesma sociedade e que não podem
pagar a conta que a adesão a ideologias à priori lhes colocaria.
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