sábado, 6 de janeiro de 2018

O papel do Estado na Saúde, na Educação e na segurança e a liberdade de mercado: pautas compatíveis.

Muitos jovens hoje me perguntam se a iniciativa privada não poderia cuidar da educação e da saúde. Na teoria sem dúvida que poderia. Mas na prática não há como em um país como o nosso, de passado colonial recente, um dos últimos países do mundo a abolir oficialmente a escravidão, com forte desigualdade e com uma explosão de crescimento da década de 1950 em diante. E entender isso faz parte da diferença entre ser um partido idealista, utópico e mais orientado pela ideologia e um partido pragmático, orientado para resolver os problemas concretos de uma sociedade complexa como a nossa.
Para começar a conversa é preciso notar que: 1) Nada, mas nada mesmo, impede, hoje no Brasil o surgimento de mais escolas privadas. Há burocracia estatal. Sem dúvida. Mas abrem-se escolas todos os dias. São muitas. De diferentes níveis de qualidade e de diferentes orientações pedagógicas. Mas faltam vagas nas boas creches e escolas do Rio. E das outras cidades do Brasil também. No campo nem se fala. Se há demanda, porque não há oferta? Essa é uma questão interessante. Qualquer um que tenha filho em idade escolar e procure uma excelente escola no Rio vai descobrir que faltam vagas. Há filas de espera em todas. Mesmo nas que custam R$ 4.000,00 ou R$5.000,00 de mensalidade. Faltam vagas nas creches. Nas mais caras também. Onde está a oferta privada de vagas? Porque ela não cresce? Há uma série de razões para isso. Dentre elas gargalos de gestão e escassez de mão-de-obra qualificada. Sim! Faltam professores, especialmente de português e matemática. Em todo o Brasil. Faltam coordenadores e orientadores pedagógicos bem formados. Faltam bons diretores escolares. Na rede privada e na rede pública, é bom dizer. Teoricamente se faltam professores mais gente estudaria para essa profissão. Mas nossa sociedade não valoriza esse oficio. Os salários não são bons. E onde são bons, a estabilidade é discutível e essa não é uma boa profissão se você quer passar a vida trocando de emprego. É sempre bom notar que nos comparativos internacionais, como no PISA da OCDE, o resultado médio das escolas privadas brasileiras é menor, em termos de desempenho dos alunos, do que a média das escolas públicas no teste PISA.  
Nos comparativos internacionais quatro países enfrentam problemas similares em relação à educação. Brasil, Rússia, Índia e China. Esses países tiveram uma explosão populacional muito grande no pós-guerra, especialmente dentre os cidadãos de menor renda. Havia um quadro de miséria crônica que começa a ceder nos anos 80 por uma confluência de fatores. Alguns independente de politica publica. Aqui no nosso caso: o declino da taxa de fecundidade. Até a década de 50 a media brasileira eram de 5 filhos por mulher. Hoje estamos abaixo da taxa de reposição: algo em torno de 1,8. Famílias com menos filhos conseguem cuidar melhor daqueles que nascem e a demanda por educação tende a se estabilizar. Mas os números ainda são muito grandes.
O grande desafio desses países foi o crescimento desordenado. Em países onde houve um crescimento mais organicamente equilibrado, o numero de professores, médicos e outras profissões crescia junto com a população.
Nos BRICs, a partir dos anos 90 e com forte aceleração após 2000, a nova classe C e as classes D e E, com mais acesso à informação, começam a demandar fortemente educação e saúde. Mas não havia infraestrutura, recursos financeiros e humanos para dar conta disso. Houve um forte esforço de universalização da educação, mas com falta de recursos o salario dos professores e as condições de ensino não eram boas. O que aconteceu foi uma enorme desvalorização da atividade dos professores e a redução da atratividade dessas carreiras para os mais talentosos. Hoje, temos um numero insuficiente de professores, especialmente de português e matemática, que é crônico em todo o país. Assim como temos falta de médicos. Os professores que se formam escolhem a carreira muitas vezes pela estabilidade do vinculo com o estado e aceitam um salario baixo porque mesmo esse é uma ascensão social. Ou seja, os professores não trazem uma boa educação de berço. Normalmente vem de famílias de baixa renda onde educação não é valor. Não sabem o que é viver em uma sociedade onde educação é valor e muitos não conhecem o que é um professor de ensino fundamental de qualidade. Há muitos heróis e muita gente fazendo coisa boa. É necessário organizar a cooperação para que haja um processo continuo de aprendizagem e compartilhamento de melhores práticas.

Como consequência do baixo salario, muitos professores têm duplo ou triplo vinculo empregatício. Trabalham em várias escolas. Com isso, não conseguem conhecer adequadamente os alunos nem criar estratégias para garantir a aprendizagem. Um aluno de ensino fundamental precisa da “professora”: aprende em uma relação de afeto. Não tem maturidade nem autonomia para aprender sem apoio. Não é uma questão só de conteúdo, mas de presença e atenção do professor. E a escola não funciona bem como apoio ao processo de aprendizagem infantil. Dai o analfabetismo funcional. O desenvolvimento das habilidades cognitivas do educando se dá por meio da interação e da brincadeira até o fim do ciclo fundamental. O professor precisa estar ali estimulando de forma ativa e com bons métodos e recursos. Mas esse tipo de capacitação de professores custa caro. Na Finlândia, que é o país de referencia hoje no mundo e o 1º lugar no PISA, os professores do ensino fundamental tem mestrado na área. Para nós, há um fosso enorme para ultrapassar para chegar lá.
O Brasil vem investindo seriamente em formação de gente qualificada. O número de mestres e doutores cresceu muito desde o começo do milênio. Mas há ainda muito esforço pela frente. Precisamos melhorar a qualidade da pesquisa aplicada em educação. Precisamos melhorar a compreensão das complexidades regionais e desenvolver soluções que funcionem em diferentes contextos. As universidades podem e de alguma forma fazem isso. Mas fazem com recursos públicos de pesquisa desperdiçados por problemas de foco. As parcerias com as empresas privadas ajudariam muito aqui. E pode-se dizer: Mas a iniciativa privada poderia fazer isso! Poderia. Mas não faz. O investimento privado em pesquisa no Brasil é muito, mas muito pequeno mesmo. Na Coréia há 4 dólares de recursos privados para cada dólar de recurso público em pesquisa. Há recursos subsidiados para pesquisa pelo setor privado na FINEP. Estamos em 69º lugar no mundo no ranking de inovação. Mas somos o 13º maior produtor de papers científicos do mundo. Produz-se ciência. Mas ela não vira inovação, pois para isso seria necessário investimento privado. E por que a iniciativa privada não investe? As causas são muitas. E complexas. Mas de modo geral por uma confluência entre três fatores: uma matriz econômica fortemente calcada na produção de commodities, onde inovação conta menos, e um cenário econômico de forte incerteza e baixa confiança, que é um desestímulo. Mas não há barreiras reais. Há aqueles que investem. Mas está longe de ser o ideal. Há muito esforço coordenado que precisa ser feito para melhorar os resultados nessas áreas.

O aumento da liberdade de mercado e a redução dos impostos reduziria a incerteza e aumentaria a confiança. Isso geraria maior tranquilidade para investir. Os ganhos de competitividade e produtividade aumentariam os retornos para todos. Mas em termos de educação, há desafios complexos e sistêmicos que precisam ser geridos de forma relativamente integrada. O custo de deixar para a iniciativa privada seria de algumas gerações sem educação. No longo prazo, estaríamos todos mais analfabetos.
Em termos de saúde pública a situação é ainda mais dramática. Falta oferta que caiba no bolso das parcelas mais pobres da população. Faltam médicos na população brasileira. O custo de uma faculdade de medicina é altíssimo. Mesmo com financiamento público, a maior parte da população brasileira não teria como cursar esse curso. Brincar de “menos estado” aqui pode ser uma carnificina! Ou a pessoa que defende isso é muito jovem e não conhece a complexidade da questão, ou suas ideias valem mais do que vidas humanas.
Sem dúvidas que o sistema é ruim. Assim como na educação, sofremos dos mesmos desafios que outros BRICs. Mas do ponto de vista ético e humano não dá para desistir dessa via. Falta renda e falta oferta qualificada de serviços médicos. E aqui, literalmente, no longo prazo, estaremos mortos.
Na segurança o investimento público é fundamental, pois é ele que garante o domínio da lei. O império das leis e a liberdade dependeram, desde sempre, da concentração do direito ao uso da força nas mãos do Estado. Só o Estado pode prender, punir e julgar. Dai a importância de manter uma forte vigilância dos cidadãos sobre o Estado, da repartição e equilíbrio entre os poderes e da imprensa livre. Liberdade sem o império das leis é a lei do mais forte. A liberdade de ir e vir, a segurança para comerciar, para trabalhar e juntar propriedade sempre dependeu da existência de instituições que garantam o direito à propriedade e os contratos. O mercado livre não é a lei da selva. A selva não é o mercado. O mercado funciona onde as instituições funcionam. Onde as leis valem.
A liberdade é sedutora. A ausência da autoridade, quando somos jovens, é um sonho. Mas um partido politico maduro precisa ser responsável por essas questões e saber que vivemos em um país em que mais de 40 milhões de pessoas estão nas classes D e E, e que essas pessoas não estão dispostas a votar nas aventuras e nas promessas de uma liberdade distante.

Liberdade de mercado, para gerar riquezas, e qualidade em gestão pública, para avançar nessas três áreas centrais, não é apenas uma questão pragmática. É uma questão ética. É um compromisso com cidadãos que fazem parte da mesma sociedade e que não podem pagar a conta que a adesão a ideologias à priori lhes colocaria.

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