quarta-feira, 15 de novembro de 2017

Sobre a liberdade, a coragem e as virtudes necessárias para fazer a coisa certa. Pensando o que precisamos para travar o bom combate.

Escrevo esse texto depois de uma semana com alguns ataques a um post que fiz sobre a minha participação em um debate promovido por um movimento chamado “Virada Política” na sede da ONG Viva Rio. Digo que foram ataques, e não criticas, porque a critica é uma disciplina intelectual que pressupõe analise, compreensão da questão e racionalidade. E não foi isso o que aconteceu. Foram acusações a esmo. Irritadiças. Agressivas.....ataques à pessoa, e não às ideias, ao propósito ou à intenção.
Em um desses comentários aparece uma frase que ficou martelando na minha cabeça. Uma frase grosseira, machista, acusativa que dizia: tenha culhão, Carmen Migueles! O uso desse termo, que denota uma parte da anatomia masculina em linguagem chula, quer significar coragem.  Mas assim como o termo, a coragem que se demanda aqui é da agressividade descontrolada. Da capacidade de partir para o ataque a partir de um sentimento desgovernado. É regida pela testosterona, não pela consciência.
A primeira questão que me veio à mente foi: essa não é a coragem verdadeira, a que precisamos ter para fazer a coisa certa nesse momento, e não é preciso ter essa parte da anatomia para ter coragem com “C” maiúsculo, a coragem como virtude do espírito, a coragem para combater o bom combate e dizer “não” às pressões dos aparentes aliados que enraivecidos com o que a politica fez conosco clamam por sangue e vingança!
 Outra coisa que me veio à mente foi uma lição preciosa que aprendi nos meus 13 anos de Japão, onde os conhecimentos acumulados pelo Bushidou, ou “caminho do guerreiro” , fazem parte daquilo que os Japoneses chamam de responsabilidade, impossível sem o autocontrole, sem a consciência do impacto das próprias ações no conjunto e no contexto, sem a capacidade de se responsabilizar pelo futuro que se quer construir, sem paciência e sem resiliência. No meio da crise, é importante buscar o controle da mente, o controle das emoções, para encontrar saídas. É isso que nos faria aproveitar a crise como oportunidade. A agressividade, a guerra de todos contra todos, seria o oposto disso. Gastaríamos o que temos de mais precioso: nosso tempo, nossa energia e nossa vontade, empreendendo uma luta onde todos perdem. Onde não há vencedores. Onde não há possibilidade de vitória.
Temos uma sociedade com muitos problemas. Com muitas dores e muitas opressões. Temos instituições frágeis e muito imperfeitas, resultado da história de colônia de exploração que nos trouxe até aqui.  Há uma enorme distancia entre o Estado e a Sociedade. Somos o país do mundo com a menor propensão a confiar, de acordo com pesquisas comparativas internacionais. Se não melhorarmos a coordenação horizontal, jamais corrigiremos o rumo da politica nacional, pois sem organização da sociedade civil o nosso Estado é facilmente apropriado por oportunistas em todas as suas esferas. Não há saída sem isso. Nem à direita e nem à esquerda. Ponto!
Todos os países com essas características têm problemas endêmicos de corrupção. Tentar evitar a corrução via mecanismos de controle tem um custo gigantesco, aumenta o risco e a dificuldade das pessoas honestas fazerem a coisa certa e é ineficaz. A única forma eficaz de combater a corrupção é via aprimoramento da governança. E essa depende de participação cívica. A participação cívica pressupõe civilidade. A civilidade depende do diálogo.
 A nossa capacidade de resolver tantos problemas complexos e sistêmicos depende da nossa capacidade de cooperação, de coordenação e de alinhamento. Depende da nossa capacidade de combater o narcisismo das pequenas diferenças, o foco em brigar com pessoas por questões menores, e centrar nossos esforços no aprimoramento da nossa democracia e das instituições.
Muitos se sentem traídos! Muitos dos conservadores ou dos “direitistas de plantão” votaram no PT no passado. Votaram no Lula. Traídos e enganados se voltaram contra a esquerda como o cônjuge traído que passa a odiar seu ex. Acusam aqueles que acham que o foco na capacidade de combater a desigualdade deve preponderar sobre a o foco na geração de riquezas como se esses fossem sócios, partícipes interessados, no mal que o Estado apropriado nos causou. Não conseguem ver nesses concidadãos pares igualmente perdidos na traição que nos foi imputada, mas olhando para os problemas por outro ângulo. Perdem foco na humanidade que nos é comum. Fiéis agora às ideologias politicas do passado, usam autores como bíblias sagradas e sem olhar para os desafios reais, concretos do presente, não enxergam alternativas a não ser a lealdade às ideias ultrapassadas tanto da direita quanto da esquerda.  Transformaram a politica nas torcidas organizadas do futebol. Trouxeram nosso descontrole latino para o centro dos debates.
Os desafios do século XXI não podem ser pensados pelas dicotomias políticas do século XIX. A sociedade de hoje não é igual àquela que esses pensadores analisavam. E eles são só seres humanos como nós: que limitados ao seu contexto histórico, pensaram a sociedade em que viviam. Era impossível para eles antecipar o surgimento da sociedade do conhecimento com as novas interdependências que essa demanda. Era-lhes impossível imaginar o surgimento e o crescimento de sociedades de massa tão gigantescas e com tantas diferenças culturais, étnicas e sociais no seu interior. O Estado nacional no qual viveram pretendia ser igual em termos de valores e cultura. Todos os estudos desse tempo sobre o Estado Nacional acreditava que em um território habitava uma nação, entendida como um povo, com tradições e história comuns. A politica como vontade da maioria partia do pressuposto de que as pessoas concordavam sobre todo o resto e deliberavam sobre alternativas para a gestão da coisa pública. Não eram sociedades de milhões de pessoas, das mais diferentes origens, convivendo em um território e buscando formas de cooperar em meio às diferenças. Direita e esquerda.... nossa! Como isso é inadequado para os desafios que enfrentamos! Como isso reduz o problema de forma inadequada! Como isso nos rouba das enormes oportunidades que essa riqueza nos traz!
Eu nunca votei no Lula e no PT. E não o fiz porque discordo dos fundamentos do pensamento de Marx e suas implicações. Discordo ainda mais das distorções produzidas sobre o seu pensamento pelos autores Russos. Mas nem por isso preciso escolher cegamente seguir os autores que lhe ofereciam oposição no passado. Entre um e outro, não preciso escolher nenhum. Posso olhar para os desafios das democracias imaturas e emergentes na América Latina com um olhar menos contaminado por soluções pensadas em outros contextos. É claro que esses autores fornecem alguns conceitos e marcos analíticos interessantes, mas absolutamente insuficientes para o que vivemos hoje. Posso olhar para o resultado de um passado colonial recente e os desafios que esse nos coloca sem ter que buscar saídas em autores europeus de sociedades muito menores e mais iguais. Mas acho a discordância saudável. Democracias saudáveis precisam de oposição. Não tenho problema com quem pensa diferente. E  porque se acredito na liberdade, não posso querer combater a diferença, a variedade de opiniões e pontos de vista e querer a homogeneidade dos iguais, que me daria um conforto e uma segurança imaginaria, apenas possível na casa de um pai responsável e provedor... mas esse é o lugar infantilizado no qual se permanecermos elegeremos um ditador.....  Se acredito nas minhas ideias e nos meus concidadãos, devo acreditar que com diálogos conseguiremos cooperar.  Se não acredito, não sou liberal. Não sou democrata. Sou tudo aquilo que critico no outro.
 Brigar em grupo é coisa de vândalos agrupados em torcidas organizadas. Não de cidadãos participando da politica. Há a falsa sensação de segurança de pertencer a um grupo de iguais com a vontade de projetar todas as frustrações da vida na agressão ao outro. O autoconhecimento, o autocontrole, o autoconhecimento impediria isso. A agressão é coisa dos fracos. E precisamos, e podemos, ser fortes.
Lao-Tsé, Filósofo chinês que viveu em torno de 1300 anos antes de Cristo e que escreveu “O caminho do perfeito”, uma das obras centrais do Taoísmo dizia: o forte controla o outro. O poderoso controla a si mesmo. Esse entendimento, central nas artes marciais, é estruturante das virtudes, da coragem entre elas. O bom combate se trava assim.
Durante nosso trabalho de pesquisa no BOPE, que deu origem ao nosso livro “A Ponta da Lança” e outros artigos acadêmicos, ouvi, muitas vezes, sobre a importância do controle da agressividade como fundamental para ser membro da tropa, cujo objetivo, de buscar a vitória sobre a morte, está bem expresso no símbolo da unidade, que é a faca sobre a caveira.  Buscar a desterritorialização do crime e a libertação dos cativos que vivem sob a sua opressão pressupõe a disciplina pessoal, o autocontrole e o foco no objetivo: restaurar o domínio da lei em todo o território, estendendo o direito à paz a todos os cidadãos. O que mais me impressionou em todas as visitas à unidade foi a educação, a gentileza e o foco dos soldados. Confirmando que se você é forte, e fortemente armado, mas fiel aos seus objetivos, você se impõe uma forte disciplina pessoal sem a qual não haveria diferença entre o soldado e o criminoso.
O momento nos demanda virtudes. Nos demanda paciência, resiliência, compaixão. Nos demanda foco nas possibilidades e oportunidades. Nos demanda esforços para pensar em projetos que resolvam muitos dos nossos desafios estruturais. E nos demanda coragem. Coragem para combater a agressividade descontrolada, que é o caminho mais certo para colocar tudo a perder. Coragem para acreditar em saídas possíveis. Vontade e disposição para busca-las.
O pessimista, o autoritário, é antes de tudo um preguiçoso: se não acredita em nada não precisa tentar. Se não acredita em ninguém não precisa dialogar. Vota em um ditador qualquer e reza para que ele resolva todos os seus problemas.
Nessa hora é preciso inteligência para tentar não fazer opções equivocadas. Racionalidade para olhar para os dados e fatos. E consciência para compreender e enxergar os nevoeiros do presente e buscar bússolas para nos levar aonde queremos ir.  Se acredito nas minhas ideias e no valor delas, não preciso temer falar sobre elas para quem pensa diferente. Se construí solidamente o meu pensamento, sobre o estudo e sobre valores corretos, não há razão para não acreditar que pessoas racionais e bem-intencionadas não seriam influenciadas por elas. Como estudei, sei que não sei tudo e que não seria possível saber, conheço o poder das ideias e das trocas. E posso ouvir com abertura, pois sei o quanto ainda há por aprender, mas sei que não vou me perder por caminhos que não gostaria de percorrer.
Decidi não concorrer em 2018. Não por falta de coragem. Não por falta de vontade. Não apenas pelas dificuldades da minha vida pessoal. Mas porque pude ver, e sentir, que a posição de quem concorre hoje é terrível: ter que buscar votos para poder se eleger e fazer o que acredita ser necessário no meio de oposições emocionais e descontroladas te obriga a aceitar o inaceitável. A tentar dialogar no meio do caos e da gritaria. Abrir mão dos seus princípios e da razão e se torcer às demandas de acusadores descontrolados, mimados, cedendo à irracionalidade na politica. Acho que o meu lugar nesse momento é fora desse ringue. Para ser politicamente orientada para o bom combate não posso estar na se posição de tentar convencer alguém que não quer dialogo e que quer soluções fáceis e simplórias para problemas extremamente complexos a votar em mim. Fora da busca por votos posso escrever um texto desses e tentar chamar as pessoas à razão.
E não tenho receio em afirmar que aquele que agride e ataca, que julga quem não conhece, que é leal a ideias que não passam pelo crivo da razão e não resistem a analise de dados e fatos está no grupo daqueles que esta fechando as oportunidades de construirmos um pais melhor a partir dessa crise. A intolerância é um veneno. E não posso querer participar da construção de futuro sem denunciar esse fato! Pois estamos chocando os ovos das serpentes com esse comportamento e o resultado disso não pode ser bom! Sem concorrer posso falar sobre isso, alertar sobre esses riscos. E é nesse lugar que quero estar nas eleições de 2018. No lugar de poder chamar meus concidadãos para o exercício do verdadeiro poder: aquele que brota do dialogo e da razão.  Se eu estiver disputando cargos nesse cenário, teria que sair desse lugar. Mas é justamente aqui que desejo estar! E há vagas vazias esperando que você também se alie a essa difícil missão!


Um comentário:

  1. CARMEM, tudo bem? Parabéns pelo texto, mas sugiro que você o escreva de forma mais coerente com as possíveis leituras que serão feitas. Não dá para entender, na primeira leitura, se vocês irá ou não concorrer às eleições.
    Votei em você nas eleições do Rio de Janeiro. Votaria novamente, mesmo tendo perdido grande parte da confiança que tinha. O voto viria pela confiança no partido.
    Para não parecer que estou fazendo um jogo sujo, a confiança foi perdida quando você elogiou o formato de educação do Paulo Freire e quando você não conseguiu perceber o óbvio: ir em um evento do pessoal da esquerda, em local cedido por uma ONG de nome sujo, é um erro em seu início.

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