quinta-feira, 18 de janeiro de 2018

Para ouvir a voz dos que veem saídas....

Para ouvir a voz daqueles que veem saídas….
Enquanto discutimos de forma irritada a questão de direita X esquerda, de forma antiga, pouco informada e emocional, muitos estudos mostram que democracias maduras são fruto de cultura cívica. Cultura cívica brota onde há menos heterogeneidade e menos desigualdade. Mas há aqui um desafio para cada um de nós: a capacidade de encontrar convergências, pontos de união, pautas comuns é o que reduz heterogeneidade e desigualdade – e gera democracias maduras e desenvolvimento porque aumenta a capacidade de ter diálogos produtivos e resolver problemas complexos.
A chave para evoluir, portanto, seria a capacidade de gerar diálogos positivos, que busquem pontos de convergência. Sociedades autoritárias, com histórico de ditaduras e cultura geradora de conflitos e desigualdade tendem a produzir heterogeneidade porque produzem conflito. Quanto mais autoindulgência e autocomplacência uma cultura gera, mais propensão ao autoritarismo ela produz.
Resiliência, respeito, empatia e autonomia reduzem a propensão ao autoritarismo! E faz isso porque aumenta a capacidade de cooperação e colaboração. Não é o contrário. A nossa busca por soluções autoritárias hoje prova isso! Há gente à cata de um ditador para resolver os problemas!
Dá para brincar com essas comparações no site do Hofstede: aqui dá para colocar o nome do país e constatar que quando maior a propensão autoritária maior a autoindulgência. Quem acusa, ataca e polariza no debate político impede diálogos produtivos. A irritação fora de contexto produz heterogeneidade e dificuldade de evoluir. Aqueles que entram no post dos outros atacando a esmo, são os verdadeiros inimigos da evolução política. Os agressivos criam impossibilidades.
https://www.hofstede-insights.com/product/compare-countries/
Por quê? Em uma breve historinha....
Uma menininha de oito anos pergunta para a mãe na mesa do almoço: mãe, o que é “virgem”? A mãe olha para o pai em pânico..... o que responder? Imediatamente diz: tá vendo? Isso é o que aprendem na escola..... o mundo está cada vez mais precoce! Acho isso um absurdo.... A menininha insiste: Mãe, o que é “virgem”? a mãe acaba por responder, de forma atabalhoada: - “é aquilo que nunca foi usado!”. A menina então pergunta: - E “extra virgem”? Estava lendo o rotulo do azeite de oliva.....
Ela não respondeu à pergunta. Mas ao seu medo! Todo aquele que ataca dessa forma, fala mal se si!
A falta de empatia, a falta de virtudes como paciência para ouvir as coisas dentro do contexto, a falta de coragem para enfrentar a vida como ela é (um dia a menininha de fato vai querer saber disso, e não podemos ser como nossas bisavós que descobriam por si porque não podiam perguntar), a falta de resiliência para perseverar frente às adversidades é o que impede que lideranças que nos representem possam emergir. Pré-julgamos, não dialogamos, atacamos a qualquer fragmento de informação que nos produza desconforto, nos achamos no direito de desconfiar a priori. Por fraqueza! Por causa os nossos medos, das nossas raivas, do nosso sentimento infantil de ter sido traídos por alguém que deveria ter resolvido todos os nossos problemas. E produzimos o contexto de impossibilidade que vivemos hoje. Nenhum líder será nossa imagem e semelhança. Ninguém é responsável por produzir conforto emocional em todos os outros. Sociedades mais prósperas tem mais liderança compartilhada. Líderes em democracias maduras representam a vontade da maioria. Não as fraquezas. Precisamos que cada um pratique suas virtudes. 2018 será o ano em que nosso caráter, como sociedade e civilização, estará à prova.
Se votarmos em um ditador, perderemos para nós mesmos. Mas o único jeito disso não acontecer, é tendo cada um trabalhando na sua zona de influência, expandindo consciências, ponderando, reconhecendo avanços e apontando para as inúmeras possibilidades que temos na nossa frente.
Quem só vê coisa errada, quem só vê retrocesso, quem só aponta erros está precisando examinar o próprio coração. Há muita coisa boa a ser valorizada e muitos ganhos em olhar para as oportunidades. Vamos silenciar os fatalistas, os pessimistas, os niilistas, os agressivos e os preguiçosos para que a voz dos que falam de possibilidades possa ser ouvida? O Brasil pode sair muito melhor e mais forte dessa crise. Só depende do quanto seremos capazes de transforma-la em oportunidade de mudança.
Estou pensando em debater esse tema na casa de Araras (www.symballein.eco.br). Alguém topa?

sábado, 6 de janeiro de 2018

O papel do Estado na Saúde, na Educação e na segurança e a liberdade de mercado: pautas compatíveis.

Muitos jovens hoje me perguntam se a iniciativa privada não poderia cuidar da educação e da saúde. Na teoria sem dúvida que poderia. Mas na prática não há como em um país como o nosso, de passado colonial recente, um dos últimos países do mundo a abolir oficialmente a escravidão, com forte desigualdade e com uma explosão de crescimento da década de 1950 em diante. E entender isso faz parte da diferença entre ser um partido idealista, utópico e mais orientado pela ideologia e um partido pragmático, orientado para resolver os problemas concretos de uma sociedade complexa como a nossa.
Para começar a conversa é preciso notar que: 1) Nada, mas nada mesmo, impede, hoje no Brasil o surgimento de mais escolas privadas. Há burocracia estatal. Sem dúvida. Mas abrem-se escolas todos os dias. São muitas. De diferentes níveis de qualidade e de diferentes orientações pedagógicas. Mas faltam vagas nas boas creches e escolas do Rio. E das outras cidades do Brasil também. No campo nem se fala. Se há demanda, porque não há oferta? Essa é uma questão interessante. Qualquer um que tenha filho em idade escolar e procure uma excelente escola no Rio vai descobrir que faltam vagas. Há filas de espera em todas. Mesmo nas que custam R$ 4.000,00 ou R$5.000,00 de mensalidade. Faltam vagas nas creches. Nas mais caras também. Onde está a oferta privada de vagas? Porque ela não cresce? Há uma série de razões para isso. Dentre elas gargalos de gestão e escassez de mão-de-obra qualificada. Sim! Faltam professores, especialmente de português e matemática. Em todo o Brasil. Faltam coordenadores e orientadores pedagógicos bem formados. Faltam bons diretores escolares. Na rede privada e na rede pública, é bom dizer. Teoricamente se faltam professores mais gente estudaria para essa profissão. Mas nossa sociedade não valoriza esse oficio. Os salários não são bons. E onde são bons, a estabilidade é discutível e essa não é uma boa profissão se você quer passar a vida trocando de emprego. É sempre bom notar que nos comparativos internacionais, como no PISA da OCDE, o resultado médio das escolas privadas brasileiras é menor, em termos de desempenho dos alunos, do que a média das escolas públicas no teste PISA.  
Nos comparativos internacionais quatro países enfrentam problemas similares em relação à educação. Brasil, Rússia, Índia e China. Esses países tiveram uma explosão populacional muito grande no pós-guerra, especialmente dentre os cidadãos de menor renda. Havia um quadro de miséria crônica que começa a ceder nos anos 80 por uma confluência de fatores. Alguns independente de politica publica. Aqui no nosso caso: o declino da taxa de fecundidade. Até a década de 50 a media brasileira eram de 5 filhos por mulher. Hoje estamos abaixo da taxa de reposição: algo em torno de 1,8. Famílias com menos filhos conseguem cuidar melhor daqueles que nascem e a demanda por educação tende a se estabilizar. Mas os números ainda são muito grandes.
O grande desafio desses países foi o crescimento desordenado. Em países onde houve um crescimento mais organicamente equilibrado, o numero de professores, médicos e outras profissões crescia junto com a população.
Nos BRICs, a partir dos anos 90 e com forte aceleração após 2000, a nova classe C e as classes D e E, com mais acesso à informação, começam a demandar fortemente educação e saúde. Mas não havia infraestrutura, recursos financeiros e humanos para dar conta disso. Houve um forte esforço de universalização da educação, mas com falta de recursos o salario dos professores e as condições de ensino não eram boas. O que aconteceu foi uma enorme desvalorização da atividade dos professores e a redução da atratividade dessas carreiras para os mais talentosos. Hoje, temos um numero insuficiente de professores, especialmente de português e matemática, que é crônico em todo o país. Assim como temos falta de médicos. Os professores que se formam escolhem a carreira muitas vezes pela estabilidade do vinculo com o estado e aceitam um salario baixo porque mesmo esse é uma ascensão social. Ou seja, os professores não trazem uma boa educação de berço. Normalmente vem de famílias de baixa renda onde educação não é valor. Não sabem o que é viver em uma sociedade onde educação é valor e muitos não conhecem o que é um professor de ensino fundamental de qualidade. Há muitos heróis e muita gente fazendo coisa boa. É necessário organizar a cooperação para que haja um processo continuo de aprendizagem e compartilhamento de melhores práticas.

Como consequência do baixo salario, muitos professores têm duplo ou triplo vinculo empregatício. Trabalham em várias escolas. Com isso, não conseguem conhecer adequadamente os alunos nem criar estratégias para garantir a aprendizagem. Um aluno de ensino fundamental precisa da “professora”: aprende em uma relação de afeto. Não tem maturidade nem autonomia para aprender sem apoio. Não é uma questão só de conteúdo, mas de presença e atenção do professor. E a escola não funciona bem como apoio ao processo de aprendizagem infantil. Dai o analfabetismo funcional. O desenvolvimento das habilidades cognitivas do educando se dá por meio da interação e da brincadeira até o fim do ciclo fundamental. O professor precisa estar ali estimulando de forma ativa e com bons métodos e recursos. Mas esse tipo de capacitação de professores custa caro. Na Finlândia, que é o país de referencia hoje no mundo e o 1º lugar no PISA, os professores do ensino fundamental tem mestrado na área. Para nós, há um fosso enorme para ultrapassar para chegar lá.
O Brasil vem investindo seriamente em formação de gente qualificada. O número de mestres e doutores cresceu muito desde o começo do milênio. Mas há ainda muito esforço pela frente. Precisamos melhorar a qualidade da pesquisa aplicada em educação. Precisamos melhorar a compreensão das complexidades regionais e desenvolver soluções que funcionem em diferentes contextos. As universidades podem e de alguma forma fazem isso. Mas fazem com recursos públicos de pesquisa desperdiçados por problemas de foco. As parcerias com as empresas privadas ajudariam muito aqui. E pode-se dizer: Mas a iniciativa privada poderia fazer isso! Poderia. Mas não faz. O investimento privado em pesquisa no Brasil é muito, mas muito pequeno mesmo. Na Coréia há 4 dólares de recursos privados para cada dólar de recurso público em pesquisa. Há recursos subsidiados para pesquisa pelo setor privado na FINEP. Estamos em 69º lugar no mundo no ranking de inovação. Mas somos o 13º maior produtor de papers científicos do mundo. Produz-se ciência. Mas ela não vira inovação, pois para isso seria necessário investimento privado. E por que a iniciativa privada não investe? As causas são muitas. E complexas. Mas de modo geral por uma confluência entre três fatores: uma matriz econômica fortemente calcada na produção de commodities, onde inovação conta menos, e um cenário econômico de forte incerteza e baixa confiança, que é um desestímulo. Mas não há barreiras reais. Há aqueles que investem. Mas está longe de ser o ideal. Há muito esforço coordenado que precisa ser feito para melhorar os resultados nessas áreas.

O aumento da liberdade de mercado e a redução dos impostos reduziria a incerteza e aumentaria a confiança. Isso geraria maior tranquilidade para investir. Os ganhos de competitividade e produtividade aumentariam os retornos para todos. Mas em termos de educação, há desafios complexos e sistêmicos que precisam ser geridos de forma relativamente integrada. O custo de deixar para a iniciativa privada seria de algumas gerações sem educação. No longo prazo, estaríamos todos mais analfabetos.
Em termos de saúde pública a situação é ainda mais dramática. Falta oferta que caiba no bolso das parcelas mais pobres da população. Faltam médicos na população brasileira. O custo de uma faculdade de medicina é altíssimo. Mesmo com financiamento público, a maior parte da população brasileira não teria como cursar esse curso. Brincar de “menos estado” aqui pode ser uma carnificina! Ou a pessoa que defende isso é muito jovem e não conhece a complexidade da questão, ou suas ideias valem mais do que vidas humanas.
Sem dúvidas que o sistema é ruim. Assim como na educação, sofremos dos mesmos desafios que outros BRICs. Mas do ponto de vista ético e humano não dá para desistir dessa via. Falta renda e falta oferta qualificada de serviços médicos. E aqui, literalmente, no longo prazo, estaremos mortos.
Na segurança o investimento público é fundamental, pois é ele que garante o domínio da lei. O império das leis e a liberdade dependeram, desde sempre, da concentração do direito ao uso da força nas mãos do Estado. Só o Estado pode prender, punir e julgar. Dai a importância de manter uma forte vigilância dos cidadãos sobre o Estado, da repartição e equilíbrio entre os poderes e da imprensa livre. Liberdade sem o império das leis é a lei do mais forte. A liberdade de ir e vir, a segurança para comerciar, para trabalhar e juntar propriedade sempre dependeu da existência de instituições que garantam o direito à propriedade e os contratos. O mercado livre não é a lei da selva. A selva não é o mercado. O mercado funciona onde as instituições funcionam. Onde as leis valem.
A liberdade é sedutora. A ausência da autoridade, quando somos jovens, é um sonho. Mas um partido politico maduro precisa ser responsável por essas questões e saber que vivemos em um país em que mais de 40 milhões de pessoas estão nas classes D e E, e que essas pessoas não estão dispostas a votar nas aventuras e nas promessas de uma liberdade distante.

Liberdade de mercado, para gerar riquezas, e qualidade em gestão pública, para avançar nessas três áreas centrais, não é apenas uma questão pragmática. É uma questão ética. É um compromisso com cidadãos que fazem parte da mesma sociedade e que não podem pagar a conta que a adesão a ideologias à priori lhes colocaria.